LARANJA TIGRE

Um Goês com um… twist!

A certa altura, mais no final do nosso jantar no Laranja Tigre, algumas pessoas discutiam sobre o uso de estrangeirismos na fala e escrita dos dias de hoje, ao invés de sermos fiéis à língua portuguesa. O que é curioso, tendo em conta que estávamos há 2 horas a provar pratos goeses mas com diversos twists… perdão, “toques” de influência portuguesa e não só. Ou seja, se formos assim fundamentalistas em relação a tudo, dificilmente saímos da nossa pequena caixinha. Enfim… 

laranja tigre

O Laranja Tigre é o novo restaurante goês de Lisboa, aberto há cerca de 3 meses. Curiosamente, ocupa o lugar daquele que foi um dos restaurantes indianos mais emblemáticos de Lisboa, o Calcutá. Era um local de encontro antes de ir beber uns copos, um sítio de convívio. Mas era também um daqueles indianos clássicos, com pratos iguais a todos os outros, ambiente muito escuro, decoração típica de restaurante indiano. Por isso, imaginem a surpresa quando entramos porta adentro neste novo Laranja Tigre… que é basicamente o oposto!

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O espaço é claro e leve, tem iluminação alta que permite ver as paredes brancas (sem grande decoração temática, e ainda bem) e a madeira azul que as complementa. A ideia dos novos donos do espaço – antigos clientes fiéis do Calcutá, por isso existe aqui uma ligação sentimental grande – é aproximar mais o ambiente a Goa, à praia, a tons mais quentes. Isto transparece também no mobiliário com alguma cor, que é agradável e vibrante. Ainda que não sejamos fãs das duas televisões instaladas nas parede dos restaurantes (que acabam por mandar um pouco abaixo o posicionamento que se pretende), é um espaço confortável tanto para jantares a dois como para grupos – e aqui as duas mesas redondas no centro da sala são excelente ideia, porque este tipo de comida pede partilha.

Mas o que nos levou ao Laranja Tigre não foi a novidade nem o espaço… foi saber quem quem está por trás da cozinha do restaurante é o Chef Hugo Brito! Sim, a mente brilhante que nos surpreende diariamente no Boi-Cavalo aceitou o desafio de criar a ementa do Laranja Tigre, e de olhar para a comida goesa e pensar como se poder dar-lhe uns toques de modernidade, sofisticação e até de influências de outras gastronomias. Honestamente, não haveria ninguém que fizesse isto melhor! 🙂

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Basta começar a olhar para a ementa para perceber esta mistura de influências e o toque criativo que existe nestes pratos, que nos fundo nos são reconhecidos na sua base e onde também reconhecemos vários ingredientes nacionais. Enquanto vamos petiscando uns viciantes Cajus com Malagueta, percebemos que temos ingredientes nacionais como base para pratos tipicamente goeses, o que resulta em misturas fantásticas. E o primeiro exemplo que chega à mesa é o Bagi-Puri com Batata Doce de Aljezur. Bagi-puri são umas bolinhas de massa ocas, que aqui no Laranja Tigre podem ser recheadas com uma pasta (tipo puré) de batata doce de Aljezur que é uma delícia! O conjunto todo tem aquele sabor oriental mas também um toque muito nacional, e acabamos a raspar a batata doce do prato!

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Depois, seguimos com as Chamuças, que nunca podem faltar. Aqui existem 3 variedades: Vegetais, Frango Assado e Garoupa. Curiosos? Aqui estão elas:

laranja tigre
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As Chamuças de Vegetais da Época são ricas e frescas, muito bem recheadas, e as de Garoupa são mais pastosas, com um recheio que se assemelha mais ao de um rissol. Mas as vencedoras da noite, e por uma margem muito grande, são as Chamuças de Frango Assado. Ou seja, o recheio é mesmo feito já com frango assado, o que lhe dá aquele sabor típico e mesmo o aroma inconfundível do frango assado. Foi geral na mesa: voltávamos ao Laranja Tigre só para comer mais daquelas chamuças! E, já agora, também para voltar a comer os Pakoras de Camarão e Bulhão Pato, outra entrada brilhantemente conseguida! A fritura perfeita, a textura do recheio fantástica e o sabor excelente, acompanhados por um molho tártaro delicioso. Brutal!

laranja tigre
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Os pratos vão chegando à nossa mesa redonda quase em simultâneo, porque a ideia é realmente partilhar – e este tipo de comida permite-o. O panorama geral é extremamente apelativo, com muitas cores diferentes, o que transmite uma vivacidade enorme à mesa. Novamente, é a ideia que sempre tivemos da comida indiana (neste caso, goesa): é sabor, é cor, é vida.

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Começamos com o Pica-Pau de Novilho Açoreano à Cafreal e, do outro lado de um prato de Arroz Indiano, o Vindalho de Cachaço de Porco Ibérico. Dois pratos de carne, intensos, muito apurados, com uma decoração um pouco mais cuidada do que acontece nos goeses tradicionais. Em ambos, a proteína de origem nacional, produto bom, mas as técnicas são goesas. O Pica-Pau é muito bom, mas o Vindalho é ainda melhor, não só pela carne mas especialmente pelo molho, que é realmente muito saboroso.

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Depois, o Xec Xec de Caranguejo de Casca Mole. O Xec Xec é um caril feito com imensas especiarias e com uma pasta de coco, o que lhe dá alguma doçura. Aqui o caranguejo de casca mole é frito e fica crocante, fantástico. Quase que apetece comer à mão, partir pedaços do caranguejo, raspar pelo caril e sujar os dedos à vontade. Parece repetitivo, eu sei, mas os sabores que nos passam pela frente são fantásticos, apurados, cheios de vida.

Mais dois pratos que vão chegando à mesa, numa explosão de sabores: o Xacuti de Frango e ainda o Caril de Camarão Tigre. O último com óptima apresentação e com os camarões no ponto, podendo se calhar vir mais um bicho, só para compor mais o prato – e o caril é muito bom. Em relação ao Xacuti de Frango, carne tenra, molho apurado, nada a apontar. Como em tudo.

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Vamos provando um pouco de tudo e partilhando os pratos, o que torna o jantar numa experiência ainda mais interessante. Porque vamos também partilhando opiniões, que tendem a ser unânimes sobre o quão surpreendente é a comida que nos é servida. Num duo vegetariano, temos então na mesa o Caril de Beringela Fumada (uma maravilha de prato, dos melhores pratos vegetarianos que comemos este ano!) e também o Caril de Tomate e Ovos a 65º, que tem um quê de sopa de tomate à alentejana pela apresentação, mas depois o sabor intenso (e picante) da comida goesa!

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O último prato a chegar à mesa, ainda que não houvesse propriamente ordem, foi o Sarapatel. Para quem não sabe, o sarapatel é um prato de origem alentejana que depois foi exportado para Goa, e é basicamente um guisado de vísceras do porco, cabrito ou borrego. Aqui no Laranja Tigre é avinagrado, o que lhe dá uma intensidade ainda maior, um caldo espesso para colocar em cima do arroz e comer quase à colher. Não é um prato para todos, mas para quem gosta, tem aqui uma excelente versão.

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O jantar vai longo, a conversa também, e ficaram apenas por provar dois ou três pratos da carta. Mas era literalmente impossível comer mais… até porque tinha de haver espaço para as sobremesas! Que, como num goês que se preze, têm de incluir obrigatoriamente a Bebinca. Ora, é muito boa, a Bebinca do Laranja Tigre. Execução perfeita das camadas, sabor excelente, desapareceu num ápice do prato (quase nem deu para tirar fotografias!). Ao lado temos o Arroz Doce com Creme Ácido de Goiaba, uma enorme surpresa – o arroz doce é muito bom, e depois leva uma camada caramelizada em cima (assim tipo leite creme) e, quando misturado com a goiabada, fica maravilhoso! E ainda houve uma Mousse de Chocolate com Manga Desidratada, muito boa a mousse, mas em comparação com as outras duas sobremesas, foi o elo mais fraco.

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No final do jantar, partilhamos a nossa opinião tanto com os donos do espaço como com o Chef Hugo Brito: o Laranja Tigre tem tudo para se tornar uma referência em Lisboa. No meio dos restaurantes goeses e não só! Porque há aqui um cuidado na comida que não é assim tão habitual encontrar, e os episódios de fusão que encontramos em cada prato transformam a experiência em algo ainda mais interessante. Há sabor, há cor, há intensidade, tudo o que esperamos e muito mais.

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Saímos para a noite chuvosa a conversar sobre querermos voltar rapidamente, para provar outros pratos e para repetir algumas das coisas que comemos naquele primeiro jantar. E isto é a melhor prova de que gostámos de um restaurante: o já estarmos a planear regressar. Porque por mais que gostemos de conhecer sempre sítios novos, quando encontramos daqueles restaurantes que nos enchem as medidas e nos fazem viajar, não temos problema nenhum em repetir. E o Laranja Tigre foi o último dos restaurantes em que nos aconteceu isso.

Preço Médio: 30€ pessoa (com cerveja)
Informações & Contactos:

Rua do Norte, 17 | 1200-283 Lisboa | 21 346 1292

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