Um Local muito especial. E único!
Esta pequena introdução podia ser acerca de restaurantes de Chefs. Ou podia ser acerca de restaurantes com conceitos fora do comum e arrojados. Podia ainda ser acerca do facilitismo que existe na restauração actual, em que (quase) toda a gente tenta copiar fórmulas de sucesso. Sim, podia ser sobre qualquer uma destas coisas… mas na verdade vai ser sobre isto tudo. Porque de vez em quando encontras um restaurante de um Chef com uma carreira invejável (ainda que seja jovem e uma das grandes “promessas” a nível nacional), com um conceito completamente diferente daquilo que se faz por aí, e sem problemas nenhuns em fazer a cozinha de que gosta em vez de se adaptar a modas.
Minha gente, bem-vindos ao Local, do Chef André Lança Cordeiro.
Do exterior, com a porta fechada, quase nem se dá pelo restaurante. A ideia é um bocado essa, não fazer grande alarido visual no exterior… e quando entramos porta dentro percebemos porquê. O Local, mais do que um restaurante, é uma cozinha, a cozinha do Chef André Lança Cordeiro. Depois de uma vasta experiência no estrangeiro (França e Suíça) e de um ano à frente da cozinha do restaurante Ânfora (no hotel Palácio do Governador), o Chef arrisca agora num projecto que é provavelmente o mais intimista que já se viu em Lisboa. Sim, há vários restaurantes que têm a chamada “mesa do Chef” – situada na cozinha ou próxima dela, para que a experiência da refeição possa ser mais próxima de quem a prepara – mas no Local essa ideia é levada ao extremo. É como se estivéssemos efectivamente a entrar na cozinha de um restaurante, completamente desprovida de decoração, onde temos apenas uma mesa comunitária.
O ambiente é tão clínico e industrial (brancos e cinzas) que sentimos efectivamente que estamos na mesa onde o staff come antes do serviço. E, de acordo com esta lógica, um jantar no Local é efectivamente uma experiência imersiva, porque sentimos realmente que fazemos parte do processo. O Chef e a sub-Chef (Leonor Sobrinho) estão ao nosso lado, a preparar os pratos, sem nem sequer um balcão a separar-nos. Podemos ouvir e ver tudo. Não há segredos, há uma partilha completa e imediata. E isso é maravilhoso!
A ementa vai mudando regularmente, consoante os produtos frescos do dia e porque num espaço deste tipo não é possível fazer compras em escala. Por isso, é normal que não encontrem tudo aquilo que vamos descrever de seguida na ementa quando forem até ao Local. Mas acreditem que as alternativas vão ser igualmente brilhantes!
Já está na mesa, quando nos sentamos, um prato com algo que não conhecemos. É um gougère recheado com mornay de trufa, que é como quem diz um pequeno “bolo” (feito de massa de pasteleiro e queijo) recheado com algo parecido com bechamel mas com um sabor distinto a trufas. Sou eu mesmo que preciso desta explicação, porque a cozinha francesa é daquelas que conheço pouco, mas quando gosto de algo que provo preciso de saber do que se trata. E disto, meus amigos, gostei mesmo muito! 😉
Um olhar para a ementa e percebemos que a linha francesa que o Chef André Lança Cordeiro seguia no Ânfora o seguiu até aqui. Honestamente, acho muito bem! Se é aquilo que gostas de fazer e o fazes bem, para quê inventar? O que há mais por aí são Chefs que se tentam adaptar a registos mais “comerciais” em vez de fazerem aquilo que gostam. E não há nada pior do que comprometer o seu estilo apenas para agradar a mais pessoas.
E começamos logo em grande, com um excelente salmorejo com sapateira. Esta sopa cremosa (aqui as influências são andaluzes) de tomate, alho e pimento é aqui uma explosão de sabor, com um fenomenal toque final picante. O acrescento do miolo de sapateira é genial e transporta este prato para toda uma outra dimensão. Magnífico começo de jantar!
Seguindo numa espécie de menu de degustação (onde provamos mais de metade dos pratos na ementa), chega-nos à mesa o salmão marinado com aneto, crème fraîche ácido, ovas de arenque e salicórnia (um dos ingredientes mais menosprezados – ERRADAMENTE – na cozinha). O cuidado na apresentação é notório, mas o que interessa mesmo é o sabor. O salmão resulta na perfeição com o crème fraîche e a salicórnia dá ao prato um toque salgado delicioso.
O prato seguinte foi outro clássico que relacionamos sempre com a cozinha francesa, o foie gras. Neste caso cozinhado em vinho do Porto, com figo assado e brioche trufado. Foie gras e figo é daquelas duplas vencedoras em qualquer sítio, e aqui o toque de Vinho do Porto transforma tudo numa experiência sensorial magnífica. É só montar tudo em cima do brioche e deixar-se ir. 🙂
A degustação continua com aquele que pode ser considerado o primeiro prato principal: corvina, cozinhada a baixa temperatura, com molho de champanhe… sobre uma cama de quinoa com frutos secos que é assim uma coisa absolutamente fenomenal! Sim, a corvina é boa e o molho torna-a ainda mais interessante, mas o grande destaque do prato é mesmo a quinoa, refrescante e cheia de nuances.
Depois do peixe, voltamos à carne (numa degustação intercalada para se manter sempre interessante), mas com o prato menos interessante da noite. É sempre complicado escrever isto, porque estas bochechas de porco cozinhadas a 66 graus em sumo de beterraba acompanhadas com puré de batata agria estão a milhas de distância de serem um mau prato. Mas, no meio de tudo o que nos foi servido até à altura, é o que nos parece mais… “normal”. Ainda assim, excelente o puré e muito interessante o molho de beterraba que cobre a carne, mais saboroso do que estávamos à espera (a beterraba tem o problema de às vezes saber demasiado a terra, mas aqui nada disso).
Sobremesas há duas, como se ainda não tivéssemos provado pratos suficientes.
Primeiro, uma mini tarte de limão merengada, com manjericão. Uma sobremesa que se vê em muitos restaurantes de Lisboa, mas que nem sempre é bem feita. Aqui, massa perfeita, não muito mole nem muito espessa, lemon curd espectacular e um merengue com a textura que todos deviam ter.
E depois, para fechar um jantar excelente, uma segunda sobremesa que é uma maravilha de primeira! Um paris-brest com praliné de amêndoa: uma espécie de “donut” feito de massa de pasteleiro e recheado com um fenomenal creme de amêndoa. Parece algo “pesado” mas a massa e o recheio são tão leves que nos fazem terminar a refeição ainda com um sorriso no rosto. Cheios, sim, mas acima de tudo completamente rendidos à cozinha do Chef André Lança Cordeiro.
Como experiência, posso dizer-vos que foi das mais interessantes e envolventes que tive num restaurante até hoje. O facto de não haver quaisquer barreiras físicas entre nós e quem está a confeccionar a comida faz com que tudo seja muito mais intimista e que seja impossível ficar indiferente a todo o processo. As nossas conversas misturam-se e sentimo-nos parte do que os Chefs estão a fazer, mesmo que na realidade o estejam a fazer para nós.
Numa altura em que mesmo os Chefs com formação mais clássica e internacional querem aproximar-se da cozinha portuguesa, reinventando receitas – porque está um bocado na moda – é refrescante ver que ainda há Chefs que não têm problema em fazer aquilo que gostam de fazer, sem ceder a pressões. O Local não só é arrojado pelo espaço e conceito – que vai muito mais à frente da tradicional “mesa do Chef” e coloca os clientes mesmo dentro da cozinha – mas também pela coragem do Chef André Lança Cordeiro em fazer aquilo que gosta (ou aquilo que lhe apetece!).
Um Local que recomendamos todos a visitarem o mais rapidamente possível!
Preço Médio: 35€ pessoa (com vinho a copo)
Informações & Contactos:
Rua do Século, 204 | 1250-096 Lisboa | 92 567 5990
[codepeople-post-map]