Cozinha de autor no meio do Alentejo.
A descentralização trouxe um fenómeno muito agradável no que respeita à restauração. Hoje em dia, quando saímos de Lisboa para o interior (Norte ou Sul), já não encontramos apenas restaurantes tradicionais, quase que parados no tempo. Ainda os há – muitos, e felizmente – mas na verdade há cada vez mais restaurantes com conceitos interessantes, cozinha inovadora, pratos de autor e com cada vez maior relevância no panorama da restauração nacional (e mesmo internacional). E a Mercearia Gadanha, em Estremoz é um desses casos evidentes de sucesso.
Estremoz pode nem ser um ponto turístico central no Alentejo, mas a verdade é que se transformou, desde há uns anos, num local de peregrinação para amantes da gastronomia. E não estamos apenas a falar da gastronomia tradicional alentejana (da qual também existem bons exemplos), mas sim de uma nova gastronomia, com bases portuguesas e tradicionais, mas com os produtos trabalhados de forma diferente, mais moderna, reinterpretações de autor. São disto exemplos restaurantes como o Howard’s Folly, o Larau Restaurante e, claro, a Mercearia Gadanha, sob a batuta da Chef Michele Marques.
A Mercearia Gadanha é, no fundo, isso mesmo: uma mercearia. Aliás, o conceito é misto, mercearia e restaurante. Muitos dos produtos utilizados nos pratos estão depois para venda na zona da mercearia, e como são maioritariamente provenientes de produtores locais, acabamos por participar numa espécie de economia sustentável que devia acontecer noutros restaurantes e noutras zonas do País. O espaço interior é interessante e acolhedor, com traços arquitectónicos que remetem para esta zona do País, mas também ficamos muito bem na esplanada coberta.
Basta uma breve análise à curta ementa para percebermos então o conceito: pratos com uma base tradicional (especialmente alentejana), mas com um toque de cozinha de autor, especialmente a nível técnico. Bonito de se dizer, é verdade, mas o que interessa mesmo é o sabor, não é? Então estamos muito bem, porque tudo o que provámos é cheio de sabor! Como o Massa Tenra de Perdiz Brava ou os Croquetes de Borrego com Maionese de Alho Assado, já que qualquer refeição começa sempre bem com este tipo de salgados. Excelente a massa dos pastéis, muito bom o recheio dos croquetes, para os quais a maionese de alho assado é efetivamente uma boa adição.
Seguimos nos petiscos, com aquele que nos chama mesmo a atenção quando o vemos na ementa. A Terrina de Pezinhos tem aquela característica que descrevemos em cima: uma base de comida tradicional – os pezinhos de coentrada, um petisco tipicamente alentejano – mas depois a inovação e técnica que fazem parte do ADN da Mercearia Gadanha. A terrina tem todo o sabor dos pezinhos, e depois temos um molho de coentros, o que resulta num conjunto delicado, bonito de se ver (ao contrário do que acontece com os pezinhos de coentrada tradicionais) e, acima de tudo, muito saboroso. Um petisco fantástico!
E o registo continua muito alto com o Arroz de Pato, um dos pratos que se tem mantido constante na carta da Mercearia Gadanha. Aqui na sua versão mais caldosa e não aquela de forno (mais seca, por sinal), muito bem temperado, com bastante pato e enchidos, e até alguns croutons para lhe dar textura adicional. Um prato de conforto, talvez menos criativo do que o petisco anterior, mas nem tudo tem de ser inovação e criatividade… a simplicidade muitas vezes é desvalorizada, mas acaba por resultar em pratos mais saborosos e com mais alma.
A “complexidade” regressa com as sobremesas. E quando escrevemos complexidade não é no mau sentido, é apenas no sentido de que as sobremesas voltam a estar mais próximas de um restaurante de cozinha de autor do que de uma “simples” mercearia no Alentejo – ainda que seja este contraste e a forma como ambos os posicionamentos se complementam que faz da Mercearia Gadanha um restaurante tão particular. Nós provámos a Manga e Maracujá, uma sobremesa visualmente muito bonita, com várias texturas e com um equilíbrio perfeito entre doçura e acidez.
No final do jantar ainda damos uma vista de olhos na zona da mercearia, porque vale mesmo a pena. E também porque ficámos curiosos com os produtos utilizados. A Mercearia Gadanha em Estremoz tem esta mais-valia, como já acontece também com o Tua Madre, em Évora. E esta forma de “ajudar” produtores locais é o caminho a seguir por todo o tipo de restaurantes, não só no Alentejo. Especialmente se depois os produtos forem trabalhados com mestria e resultarem em pratos cheios de sabor, como acontece aqui.
Não é novidade para quem nos segue que estamos perfeitamente à vontade para nos metermos à estrada e fazermos umas horas de viagem para ir almoçar ou jantar a um restaurante fora da grande Lisboa, mesmo que isso signifique fazer várias horas de viagem no mesmo dia. O Tua Madre (em Évora), a Garagem 33 (em Braga), a Noélia (em Cabanas)… são vários os exemplos. E em Estremoz, a Mercearia Gadanha (e o Casa do Gadanha, projeto irmão que abriu mais recentemente) será outro desses exemplos, acreditamos nós. Porque a distância ou o tempo de viagem deixam de ser relevantes quando temos uma boa experiência, uma boa refeição. Daquelas que nos faz sair do restaurante com um sorriso na cara.
Preço Médio: 35€ pessoa (com vinho)
Informações & Contactos:
Largo Dragões de Olivença, 84 | 7100-457 Estremoz | 268 333 262