Será que é assim que se come no Líbano?
A “discussão” já ia longa e começou muito antes de entrarmos no Muito Bey. Aliás, nem foi a nossa primeira escolha na zona do Cais do Sodré, a ideia inicial era experimentar o “novo” Sala de Corte… que às 22h tinha um tempo de espera de 1h. Fica para outro dia.
Melhor assim, talvez, porque a dita discussão tinha a ver com a genuinidade ou não dos restaurantes de comidas do mundo em Lisboa. Aliás, em Lisboa ou noutra cidade qualquer que não seja no país de onde são oriundos. Mas como Lisboa tem um sem número de restaurantes que nos apresentam outras culturas gastronómicas, havia pano para mangas.
E foi no meio desta animada conversa que chegamos à porta do Muito Bey, restaurante libanês na Rua da Moeda (e que vai sendo uma das pouca excepções à regra da rotatividade enorme dos restaurantes nessa rua). Nós e o Ovo Cru (que, se não seguem, deviam segui aqui), sendo que nenhum conhecia o espaço. Já tivemos uma excelente experiência recente com a comida parecida com a líbanesa – no Mezze, restaurante sírio, e podem ler aqui o que escrevemos – por isso ficou aquele gostinho na nossa memória. E como a lógica dos pratos no tipo de cozinha desta zona do mundo é de partilha, pareceu-nos fazer sentido. Por isso e também porque o Muito Bey se encaixava no registo da discussão que vínhamos tendo.
Aquilo que conhecemos da comida libanesa é o que nos é apresentado nos poucos exemplos que temos em Lisboa (em restaurantes diversos, com um prato ou outro), porque nunca fomos ao Líbano. Em teoria e de forma simplista, muitas especiarias e vegetais, utilização de carnes como o borrego, molhos espessos e, claro, a tradicional “mezze”. São referências que temos e que pudemos provar no tal Mezze em Arroios, mesmo com as devidas diferenças por um restaurante ser sírio e o outro libanês. De qualquer forma, é esse o termo de comparação que temos (e, novamente, alguns pratos noutros restaurantes). E essas comparações que não foram muito positivas para o Muito Bey.
O espaço é pequeno e decorado de forma simples, com alguns elementos coloridos que a iluminação demasiado amarela não destaca. Pessoalmente também não me agrada a projecção de videoclipes na parede de fundo, nem acho que se encaixe no conceito do restaurante, mas posso ser só eu a achar desenquadrado.
Ora, depois da pequena desilusão com o espaço em si, outra ligeiramente maior, com a falta de pratos. Mais de um terço dos pratos que constituem a área das mezze na ementa já não estavam disponíveis naquela noite – chegámos ao restaurante às 21h40. E mesmo da parte dos grelhados, já não havia duas das cinco referências. Pode ter sido azar, mas esse mesmo azar aconteceu com o vinho que escolhemos (de uma carta já por si relativamente curta). E só não aconteceu com as sobremesas porque perguntámos logo o que é que ainda havia.
Mas ainda assim havia bastante escolha, por isso resolvemos pedir algumas coisas que já conhecíamos e outras cujas descrições simplesmente nos pareceram interessantes.
Numa lógica de partilha de pratos que vão chegando à mesa, começamos com o Humús (para quem não sabe, uma pasta de grão com tahini, algo e um pouco de limão)… que nos pareceu um bocado desinteressante. É algo que se come cada vez mais em Lisboa (muito por causa do “boom” dos restaurantes vegetarianos) e, honestamente, já comemos alguns que nos pareceram muito mais saborosos. Aqui sentimos demasiado o grão, pouco ou nada da acidez do limão ou do alho.
Não conhecíamos o outro prato que chegou ao mesmo tempo, o Samak Tajin Bil Tahini. Traduzido, são lascas de peixe (neste caso bacalhau, salgadíssimo) guisadas, em molho Tahini com cebola e coentros. Bom, antes de (tentar) descrever o prato, o molho tahini é uma mistura de óleo de uma planta chamada gergelin, misturado com cebola, alho e limão até fazer uma espécie de uma pasta. É verdade que é muito habitual na comida libanesa e mesmo de países vizinhos, e por isso já comemos vários pratos com ele… mas também é verdade que nunca tínhamos comido um tão picante! As lascas de bacalhau estavam salgadas, é verdade, mas o molho estava picante para lá do razoável! Na mesa estavam três pessoas que gostam de picante e todos achámos o mesmo. Ou seja, voltou metade para trás…
O que acabou rapidamente foi o Makanek, que são as salsichas de vaca à libanesa, salteadas com cebola, alho e molho de romã. Ora, o molho de romã não o vimos nem sentimos, mas as ditas salsichas eram bastante boas, com um recheio rico e ao mesmo tempo fresco. Uma óptima surpresa!
Um pouco depois chegam à mesa dois pratos com elementos relativamente parecidos, mas que não têm nada a ver. Os nossos já conhecidos Falafel, croquetes de grão fritos em molho Tarator, bons no sabor mas bastante fraquinhos na consistência – não conseguimos levar nenhum dos 4 aos pratos sem que se desfizessem todos… :/ E ainda os Kibbé, croquetes de carne de vaca e Bulgur, recheados com cebola, alho e molho de romã, que também servia de complemento ao prato. Muito melhores na consistência e até mais interessantes no sabor, porque a adição da romã no molho acaba por tornar o prato mais “exótico”. Não excelente, mas interessante e fora do comum.
A acompanhar, a Batata Hara (frita em cubos com alho, malagueta, limão e coentros), que pode parecer simples mas para mim podia acompanhar todas as refeições do Mundo!
Fora das fotos ficou ainda o Kafta Batenjen, que são duas espetadas de carne picada de vaca e borrego (numa mistura de salsa, cebola e especiarias libanesas), acompanhadas com beringela assada, tomate cereja, pão achatado coberto por vegetais e ainda molho Tarator. De trás para a frente: bom o molho, fenomenal o pão achatado com a mistura de vegetais cozinhados em cima. As espetadas esperávamos que fossem mais condimentadas… resolvemos isso com o molho, claro, mas sozinhas eram um bocado “desenchabidas”.
A falta de sabor de alguns pratos que chegaram à mesa deixaram-nos um pouco desiludidos, mas as doses não nos deixaram com fome. Ainda assim, fomos às sobremesas, mas perguntámos primeiro o que não havia, só por causa das coisas. Das 5 disponíveis, uma não havia e outra era fruta, por isso escolhemos duas das restantes. Bom, aqui a decepção foi completa. O arroz doce (não registei o nome original) se calhar até se faz assim no líbano, mas foi provavelmente dos piores que já comi. Demasiado aguado (nem é cremoso, é aguado mesmo) e, ao mesmo tempo, com muito bagos quase crus. Acima de tudo – e novamente – pouco ou nenhum sabor. Já a outra sobremesa – novamente faltou-nos o nome, mas é uma espécie de pudim com um pouco de algo que parecia caramelo por cima e umas poucas amêndoas – era um pouco melhor, mas as três pessoas na mesa pensaram na mesma coisa: Boca Doce. Honestamente, um pudim que pode ser um pudim de qualquer parte do mundo, não sentimos ali nada de diferente por ser libanês…
Voltamos a reforçar, nenhum de nós é “especialista” na comida libanesa, e por isso é possível que alguns destes pratos que provámos devam ser mesmo assim. Pode ser, mas honestamente não era nada disto que estávamos à espera no Muito Bey. Esperávamos mais condimentos, mais… “alma”.
E foi por isto que, à saída do restaurante, tentamos terminar a nossa discussão saudável, chegando a uma conclusão simples: há cozinhas que nos são tão pouco familiares que nos é difícil de avaliar assim de ânimo leve (ao contrário de outras – como a italiana ou indiana, por exemplo – com as quais temos muito mais contacto e mesmo proximidade). Por isso, nestas gastronomias menos familiares, o melhor que conseguimos fazer são comparações. E para nós, no que diz respeito à comida libanesa, o Muito Bey ficou longe de nos surpreender. A nível daquilo que sentimos ser genuinidade, a nível do espaço e do serviço e, mais importante, a nível de sabores.
Preço Médio: 25€ pessoa (com vinho)
Informações & Contactos:
Rua da Moeda, 8 | 1200-275 Lisboa | 21 158 0788
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