Um pouco do Perú em Lisboa.
Na grande maioria das vezes, é a comida o primeiro contacto que temos com novas culturas e novos países. Penso que isso acontece a toda a gente. E depois ficamos surpreendidos, porque quando vamos aos ditos países, percebemos que a comida genuína não tem assim tanto a ver com o que nos servem por cá. Isto acontece com todo o tipo de países, mesmo aqueles mais próximos de nós, porque é normal que a exportação gastronómica perca sempre alguma genuinidade pelo caminho.
Ora, com o Perú (como com cada vez mais países, felizmente), a situação foi exactamente ao contrário. A viagem que fiz ao Perú deve ter sido dos melhores momentos da minha vida. Pela cultura, pelas pessoas, pelas paisagens… e pela comida, em grande parte pela comida. Comida exótica a que torcemos o nariz ao início (por exemplo, o Cuí – mais conhecido como porquinho da Índia – ou o tradicional Alpaca), mas que depois de nos abstrairmos do que realmente é e provarmos… são coisas deliciosas!!!
A comida peruana foi entrando no nosso dia a dia através de pratos específicos, nomeadamente os ceviches. Isto foi uma moda que surgiu há uns 6 anos e rapidamente se espalhou para todo o tipo de restaurantes, ainda que na sua grande maioria, não seja de todo feita como deve ser. Depois foram então aparecendo restaurantes como A Cevicheria do Chef Kiko Martins ou o Segundo Muelle, estes sim mais dedicados à gastronomia peruana. Mas antes de todos eles, havia por cá o Qosqo.
Tendo sido o primeiro verdadeiro representante da cozinha peruana em Lisboa, o Qosqo tentou, desde o início, trazer grande parte dessa herança gastronómica até nós, sem se ficar só pelos ceviches e outros pratos mais generalistas. E a verdade é que, mesmo com altos e baixos, o Qosqo resistiu ao crescimento do turismo que procurava outro tipo de restaurantes, a uma pandemia, a uma crise… resistiu a isto tudo e mais: ainda se soube reinventar, mudar de cara, tornar-se mais moderno e relevante.
O espaço, que antes era escuro e despersonalizado, está agora mais alegre, mais luminoso, mais vibrante. Há mais Peru no Qosqo, e a parede pintada ajuda a transmitir-nos uma sensação de alegria que associamos sempre aos países da América do Sul. Outra coisa que melhorou bastante desde a nossa primeira visita foi o serviço, que é agora muito jovem, multicultural e simpático, presente sem se impor, como devia ser em todo o lado. Das melhores experiências a nível de atendimento que temos tido nos últimos tempos, sem dúvida.
A carta continua a ser muito extensa, ainda que esteja bem dividida. Percebo a ideia de ter muita coisa para dar a provar, até porque é normal que se queira mostrar o que de melhor a gastronomia do país tem. Ainda assim, acabamos por nos perder um pouco na carta, demorando mais do que o normal a escolher. Mas pronto, vamos bebendo o nosso Pisco Sour enquanto decidimos (ou então a bebida mais típica do Peru, a Inca Cola!!). Sabiam que no Perú há mais consumo desta bebida que da famosa Cola-Cola?!
Queremos provar o máximo possível, porque nos lembramos de ter gostado da comida na primeira visita… e porque queremos sempre matar saudades do Peru. Por isso, começamos com o Chicharrón de Pollo (tiras de peito de frango panadas com quinoa e depois fritas, servidas com uma salsa de maracujá) que é surpreendentemente bom, com o frango ainda suculento e o molho muito bom também. A Causa Nikkei con Atún é um prato típico, com uma base e topo de puré de batata e depois no meio (neste caso) atum marinado, abacate e azeitonas, e é um prato engraçado pela diferença de texturas; e os Tiraditos de Pulpo Con Olivas – fatias finas de polvo cobertas com um molho espesso de azeitona – é o prato menos bem conseguido, porque o molho retira por completo o sabor ao polvo e a base de alface só traz confusão ao conjunto. Os pratos chegam todos mais ou menos ao mesmo tempo à mesa, o que nunca é muito agradável, mas sendo quase tudo frio, pelo menos não se deturpam sabores.
A prova de fogo estava no Ceviche Clássico, que não chegámos a provar na primeira visita ao Qosqo. E para o qual agora temos muitos termos de comparação, especialmente no que respeita à acidez do leche de tigre. Ora… temos uma agradável surpresa! O Ceviche Clássico do Qosqo é muito bom, com o peixe fresco e bem marinado, o leche de tigre fantástico e depois o milho argentino e batata doce a darem-lhe uns extras de sabor e textura. Muito bom mesmo!
Uma das coisas interessantes que o Qosqo manteve no menu foram a espécie de combinados em cada área da ementa, que nos permitem provar vários pratos em doses mais pequenas e a valores mais simpáticos. Ideal para quem estiver indeciso. O que não nos acontece a nós, pelo menos no que respeita ao prato principal: o Lomo Saltado foi exactamente o que tínhamos comido na primeira visita ao Qosqo, e resolvemos repetir porque efectivamente tinha sido dos nossos pratos preferidos. Pedaços de lombo de novilho marinados num molho de soja, com cebola roxa, tomate e pimentos (acompanhados com batata frita caseira e arroz branco). A carne é muito tenra, mas aqui o destaque é mesmo o molho com base de soja, que acaba por dar um toque asiático maravilhoso ao prato (e a cozinha nikkei é mesmo isso).
Terminamos com apenas uma sobremesa, porque já tinha sido muita comida até agora. Os Alfajores já tínhamos provado na primeira visita, por isso escolhemos a Mousse de Lúcuma, que é um fruto tropical, ali uma espécie de abacate mas com um sabor completamente diferente. É uma agradável surpresa, tanto a nível de sabor como de textura.
Lá está: mesmo que nem tudo o que comemos seja como me lembro de ter comido no Peru, há aqui uma relação muito próxima. Tanto a nível da comida como a nível do mood que se sente no restaurante, e essa foi a grande evolução entre as duas visitas que fizemos ao Qosqo. Há um ambiente mais vibrante, que nos faz sentir mais à vontade, o que é sempre o ideal num restaurante, seja ele de que origem for.
No fundo, o Qosqo está melhor, e por isso a experiência ganhou muito com isso. Enquanto saímos do restaurante, volto a pensar na minha viagem ao Peru e noutras coisas diferentes que a ementa do Qosqo podia ter, para tornar a experiência ainda mais próxima da realidade, mas que depois até podiam embater em questões logísticas e legais. E, mesmo sabendo que é difícil um restaurante fora do seu país ser realmente genuíno, o Qosqo é o peruano de Lisboa que mais se aproxima do que é o verdadeiro Peru. E esse é claramente o melhor elogio que se pode fazer!
Preço Médio: 25€ pessoa (com pisco sour e depois cerveja)
Informações & Contactos:
Rua dos Bacalhoeiros, 26 A | 1100-070 Lisboa | 218 868 061