O mundo rural também pode ter pormenores de luxo.
O ano de 2020 e a pandemia forçaram-nos a mudar os nossos hábitos de férias, fossem elas mais ou menos prolongadas. O receio que existia em sair do País levou-nos a tentar conhecê-lo ainda melhor, e a fazer viagens de carro para zonas para as quais habitualmente não íamos. Como não fomos caso único e houve muita gente com o mesmo mindeset, houve um aumento enorme nas reservas em quase todos os alojamentos de turismo rural um pouco por todo o lado, e um consequente aumento dos preços. Simultaneamente, começámos a ouvir falar de hotéis rurais com um posicionamento mais premium, que foram ganhando projecção através das redes sociais de alguns famosos e se tornaram verdadeiros casos de sucesso.
O Craveiral Farm Houses foi, se calhar, o mais conhecido desses casos. Situado no litoral alentejano mas não necessariamente encostado ao mar, trata-se de um hotel rural completamente inserido dentro de uma herdade gigantesca, que quer proporcionar aos seus hóspedes e visitantes uma experiência o mais próxima da natureza e ruralidade possíveis. Assim que terminou o primeiro desconfinamento, começámos a ver stories e posts no Instagram sobre pessoas que por lá passavam, e o interesse foi crescendo. Espaços bonitos, tudo muito cuidado e, igualmente importante, um restaurante com a curadoria do Chef Alexandre Silva (responsável pelo LOCO, em Lisboa).
Por isso, aproveitámos um fim-de-semana prolongado (e fora de época, para os preços serem mais… convidativos) e lá fomos nós até Odemira conhecer o Craveiral e o seu restaurante.
O Espaço
O Craveiral é uma herdade lindíssima, onde os vários blocos estão bem separados uns dos outros, para nos podermos sentir no meio da Natureza. No bloco central temos a recepção e o restaurante, além da gigante piscina e zona de SPA (e ainda alguns alojamentos). É provavelmente a zona mais frequentada, mas isso não significa que seja barulhenta, nada disso – o ambiente idílico promove esse sentimento de calma, e mesmo as famílias com crianças parecem mais… sossegadas. Esta zona principal está ligada às habitações por um passadiço, que é uma das estrelas das fotos de Instagram do Craveiral 🙂
Depois temos vários blocos com alojamentos, separados uns dos outros por espaços verdes, onde há inclusivamente várias zonas de cultivo de vegetais diversos. Como a lógica do Craveiral é a imersão na Natureza e tentar ao máximo utilizar tudo o que é cultivado na herdade, estas zonas podem ser visitadas em grupos, para que as crianças (e os adultos) aprendam como se cuida da terra e percebam de onde vem aquilo que depois podem comer no restaurante. Este é talvez um dos factores mais distintivos do Craveiral em relação a outros hotéis de charme rurais, o facto de permitir uma experiência mais imersiva aos seus clientes.
O resto da herdade tem outros motivos de interesse, numa lógica de ligação com a natureza. Com a ajuda de um pequeno mapa é fácil de encontrar então a horta (onde se cultivam os vegetais servidos nos pratos do restaurante) e outras zonas onde temos vários animais (e também um parque infantil, um pequeno skate park e até uma galeria). Esta proximidade do mundo rural é efectivamente um dos pontos fortes do Craveiral, e mesmo para adultos, transmite-nos uma sensação de “regresso às origens” muito apaziguador.
Aliás, esta presença de animais é uma constante no Craveiral, que é um alojamento pet friendly. Ou seja, existem vários cães e gatos mesmo da herdade, que passeiam livremente no exterior e interior, mas sem chatear minimamente, porque fazem mesmo parte da casa.
O Alojamento
Seguindo a mesma linha estrutural do espaço em si, os quartos são pequenas casinhas alentejanas, recriando um ambiente rural mas com um minimalismo e sofisticação que justificam os preços.
O alojamento mais simples é o quarto single que, dentro da sua casinha, tem ainda um espaço de cozinha, a casa de banho e uma varanda privativa. A decoração é quase nenhuma, há muito uso de madeiras claras e cortiça para contrastar com os brancos das paredes, a iluminação é bem seccionada… ou seja, tudo aqui foi bem pensado para transmitir um feeling rural mas sofisticado. Uma dica importante: se não estão habituados a champô sólido, levem o vosso próprio champô, porque o posicionamento ecológico do Craveiral faz com que evitem materiais que não são biodegradáveis… que é bom para o ambiente mas ainda deixa um bocadinho a desejar na sua utilização.
Como explicamos em cima, os alojamentos funcionam em pequenos blocos, espalhados pela herdade, e no nosso até tínhamos uma pequena piscina de apoio. Todo o ambiente é rural e idílico, e como à volta destes pequenos pólos o que temos são árvores e terreno de cultivo, há efectivamente um silêncio muito agradável. À noite falta um pouco de iluminação nos acessos, talvez, mas é apenas um pormenor.
O Pequeno-Almoço
O pequeno almoço é tomado na zona exterior do restaurante, junto à piscina. Podemos escolher entre várias opções, entre frutas, iogurtes com granolas, pão (que não é feito no Craveiral…), doces, ovos mexidos, etc. Não há nada de verdadeiramente inovador ou sequer que explore um dos conceitos do restaurante – o cozinhar com fogo – mas a qualidade dos produtos é exactamente o que esperamos num hotel neste “price range”.
Especialmente os ovos, queijos e enchidos e os doces e compotas são verdadeiramente fantásticos. E tomar o pequeno-almoço com esta vista é sempre uma excelente forma de começar o dia!
O Restaurante FarmTable by Alexandre Silva
Mas então vamos ao que interessa: o restaurante. Inserido no pólo principal do espaço, é aqui também que funciona a recepção e acaba por ser o ponto de encontro de todos os hóspedes, o que o torna no espaço menos sossegado de todo o hotel. O melhor mesmo é aproveitar a esplanada, mais sossegada, mais próxima do fogo que transmite sempre aquela sensação reconfortante. E nem sequer é fria, porque os aquecedores localizados acabam por funcionar muito bem.
Decoração minimalista, muita madeira, na linha daquilo que é o hotel. O serviço é maioritariamente jovem e também simpático, ainda que, com o restaurante cheio, possa parecer um pouco descoordenado. Além disso, diríamos que podia ser mais explicativo quanto ao conceito do próprio restaurante e dos produtos utilizados. No fundo, quanto melhor explicarem que os produtos vêm da horta e qual a origem de cada matéria-prima, mais imersiva se torna a nossa experiência.
Há dois ganchos principais no Restaurante FarmTable: por um lado, o ter a assinatura do Chef Alexandre Silva, que lhe dá uma chancela de qualidade muito acima da média; e por outro, o facto de muitos dos pratos que são servidos serem cozinhados no exterior, com fogo real. Não é um conceito único, o Chef Alexandre já o faz no FOGO, em Lisboa, mas aqui faz muito mais sentido, transporta-nos para um imaginário rústico e campestre, em que os produtos vêm da terra, passam pelo fogo e chegam à nossa mesa. É uma boa promessa, sem dúvida.
Está muito claro o conceito “farm to table”, mais que não seja porque está escrito na ementa quais os produtos que são cultivados no espaço e de onde vêm as proteínas (é tudo das proximidades), e efectivamente há pratos onde sentimos o “fogo”… embora nem todos.
Podemos começar um jantar no FarmTable logo pela secção de entradas, onde o conceito do fogo está um pouco mais distante em coisas como os Croquetes de Porco Preto (bem recheados e saborosos, viciantes como todos os croquetes deveriam ser) ou os Pastéis de Massa Tenra de Cabrito (onde tanto a massa como o recheio são excelentes)…
… mas, por outro lado, está bem presente noutras duas das entradas que se destacam logo à primeira vista: a Couve Grelhada com Coentros e Gema Curada é um prato fantástico onde o toque fumado não se sobrepõe a tudo o resto, à frescura da couve, ao toque dos coentros e ao ovo, uma conjugação perfeita; e a Couve-flor com Avelã, outra mistura muito boa de sabores e texturas, uma entrada que respira natureza.
Provámos ainda o Tártaro de Corvina Picante, servido como se fosse um taco mas numa folha de uma árvore da herdade (não me lembro qual era, peço imensa desculpa…), o que tem um toque de diferença e se ajusta ao conceito do restaurante, mas peca um bocadinho porque o próprio tártaro não é assim tão picante.
Nos pratos principais temos carnes e peixes, tudo trabalhado na grelha. Há clássicos alentejanos como os Lagartos de Porco Preto ou o Cachaço do mesmo bicho, onde sentimos que a proteína é realmente muito boa, ainda que gostássemos que a carne tivesse um pouco mais daquele típico “aroma a grelha”. Não sei bem como explicar isto, foi só o que sentimos…
Nos acompanhamentos, um daqueles pratos que já se tornou um clássico do Chef Alexandre Silva: o Arroz de Forno, com um sabor incrível e uma crosta imaculada. A couve grelhada também é muito boa, as batatas assadas no forno também e a salada verde permite-nos explorar toda a abrangência de legumes que existem na herdade… mas este arroz de forno é assim uma coisa do outro mundo!
Para terminar, as sobremesas variam frequentemente e são bastante boas: as Farófias são equilibradas, excelente textura, não muito doces; e o Pão de Ló é acompanhado por pedaços de figo, o que lhe dá um contraste interessante de sabor.
Destaque ainda para as cervejas artesanais, feitas na herdade, com 3 variedades diferentes, e uma carta de vinhos exclusivamente dedicada ao Alentejo, com referências de várias zonas.
As Pizzas em Forno a Lenha
Mas há ainda uma segunda ementa no restaurante do Craveiral, uma oferta completamente diferente: pizzas, feitas num dos dois fornos a lenha que existem na zona de cozinha.
A carta de pizzas é feita em parceria com a pizzaria In Bocca Al Lupo, em Lisboa, e parte das receitas reverte para ajudar a instituição Vila Com Vida (que apoia crianças e jovens com doenças de desenvolvimento). Ora… as pizzas no Craveiral são uma excelente opção! Não só porque têm preços mais em conta dos que os pratos dos restaurante como também porque as. podemos pedir a qualquer hora do dia. Mas, acima de tudo, porque são simples e bem executadas! Massa fina e estaladiça, poucos ingredientes em cada pizza mas todos com uma qualidade que se sente de imediato!
A Diavola tem molho de tomate caseiro, mozzarella e linguiça picante; a Pesto tem pesto caseiro fantástico (diferente do normal, feito com base de tomate seco, amêndoa, alho e parmegiano) e mozarela de búfala; e a Gorgonzola e Pêra tem… isso mesmo, queijo gorgonzola e pêra, com uns toques de cebolinho.
Poucos ingredientes e sabores excelentes. 🙂
É verdade que, no que respeita ao restaurante, se calhar esperávamos um pouco mais. Ou diferente, se quiserem, muito pelas expectativas criadas pelo facto de ter um Chef com Estrela Michelin a assinar a carta. Mas a questão é mesmo essa: as expectativas é que são erradas, porque o conceito deste espaço é completamente diferente. Aqui procura-se uma cozinha mais simples, com ênfase na excelente matéria-prima. Podíamos sentir mais o fogo, é verdade, mas entre os pratos da carta normal e as pizzas excelentes, não vamos ficar mal servidos.
Mas isso não implica que não sejamos fãs do Craveiral! No fundo, este é um bom sítio para ir numa escapadinha mais… premium, se quiserem. Não é barato – especialmente em comparação com outros hotéis ou turismos rurais na zona – mas também é difícil fazer uma comparação direta coisas que não podem ser comparadas. Porque aqui estamos num ambiente rural, é verdade, mas com apontamentos de luxo que acabam por tornar a experiência muito diferente.
Preço Médio Restaurante: 45€ pessoa (com vinho, na vertente carta normal) | 20€ pessoa (com cerveja, na vertente pizzas)
Informações & Contactos:
E.M. 501, Km 4 | 7630-658 São Teotónio – Odemira | 28324 9170