Criatividade e sabor, acima de tudo!
Com cada vez mais pólos da “nova gastronomia” a surgir um pouco por todo o Alentejo, é cada vez mais interessante ir passar algum tempo àquelas bandas. E já nem precisamos de ficar só em Évora, porque há cada vez mais propostas interessantíssimas noutras zonas.
O Howard’s Folly vem apenas confirmar que Estremoz é um desses pólos. E vem confirmá-lo de forma absolutamente fantástica!
Há muito passou o tempo em que só Lisboa em Porto tinham o monopólio da cozinha de autor (e o Algarve também, especialmente no que respeita a restaurantes estrelados). Nos últimos anos (ainda antes da pandemia) fomos vendo uma espécie de movimento migratório de novos Chefs para zonas do Alentejo, levando consigo novas ideias e conceitos muito interessantes e inovadores. Provavelmente fartos da saturação de restaurantes em Lisboa e Porto, onde é cada vez mais difícil inovar ou fazer a diferença, esta malta percebeu ainda outra coisa muito mais importante do que a novidade que iam levar a essas zonas: perceberam que a matéria-prima está muito mais acessível… e que é verdadeiramente fantástica!
Évora viu aparecer o Tua Madre, a Taberna de Santo Humberto e o Híbrido, por exemplo. O Chef Hugo Nascimento “tomou de assalto” Odeceixe com o Naperon e o Assador Altinho, Alter do Chão viu o o Chef Filipe Ramalho dar nova vida ao Páteo Real, o Chef Alexandre Silva assinou a carta do restaurante do Craveiral em Odemira, e o que o Chef Carlos Teixeira está a fazer na Herdade do Esporão acabou de lhe dar uma Estrela Michelin. São apenas alguns exemplos, entre muitos outros. E, no caso de Estremoz, temos o Larau, a Gadanha Mercearia… e, o motivo que nos levou lá logo na primeira semana do novo ano: o Howard’s Folly.
Já tínhamos ouvido falar bastante bem do Howard’s Folly, até porque o Chef Bernardo já era nosso “velho conhecido” do B’Entrevinhos, na Marina de Oeiras. Todas as referências eram boas e enfatizavam mais ou menos as mesmas características: uma forma diferente e inovadora de trabalhar o produto local, com apontamentos de sofisticação mas sabores o mais genuínos possível. E pareceu-nos muito bem!
Mas ainda antes de falar da comida, não podemos escrever do Howard’s Folly sem falar do próprio conceito do espaço, que tem tudo a ver com o seu dono, o empresário Howard Bilton. Que construiu um espaço à sua imagem: artístico, sofisticado mas ao mesmo tempo rústico, com apontamentos muito subtis e outros “larger than life”. A palavra certa é excêntrico, com tudo o que de bom (e também de menos bom) isso pode ter. É uma adega, um restaurante, um bar, uma galeria de arte. É um espaço onde podemos estar imenso tempo a olhar para as instalações de grandes dimensões ou então para os pequenos pormenores de mobiliário e decoração. Um restaurante que pretende impressionar, sem dúvida.
E, felizmente, mais do que só o espaço, o Howard’s Folly impressiona também pela comida. Mesmo passando por cima dos trocadilhos desnecessários no nome dos pratos, a sua descrição abre-nos o apetite. E percebemos que estamos efectivamente no registo da cozinha mais ou menos local, mas com um twist criativo pelo meio.
A Cabeça de Xara é a primeira entrada a chegar à mesa e surpreende não só pelo nome engraçado (“Bem haja Dª Otávia!”, porque a cabeça de xara é da senhora… salvo seja!), mas também porque o pickle de cebola roxa vem dentro de uma campânula, com muito fumo. E isso resulta efetivamente muito bem, porque este pickle tem aquele toque fumado e, acima de tudo, a cabeça de xara é fantástica. Tostinhas com ela e siga!
Acompanhadas por um vinho de produção própria – o “Sonhador”, muito bom, por sinal – seguimos com outras entradas: os Croquetes de Alheira de Porco Preto são bons, servidos com uma maionese de hortelã e jalapeños (que devia saber um pouco mais aos últimos, mas ok); e o Camarão Kataifi é também muito bom, especialmente porque a massa kataifi chega à mesa estaladiça e o próprio camarão está cozinhado no ponto. Não sendo surpreendentes, são entradas que quando bem confeccionadas são sempre excelentes.
Ainda outra entrada, verdadeiramente maravilhosa: intitulada de “Couves”, estamos a falar de um pedaço de couve lombarda grelhada servida sobre um puré de couve flor assada, e ainda com pinhões tostados, óleo de coentros e um toque de Carcavelos. Está a ser cada vez mais habitual em restaurantes destes trabalhar os vegetais tipo a couve na grelha, e aqui a conjugação de elementos resulta na perfeição. É uma entrada que nos aquece, que nos lembra do Inverno.
Nos pratos principais, começamos com a maior das surpresas, porque nada na sua descrição nos prepara para isso. O prato “Eu é que sou Borrego!”, que pensamos ser servido de forma tradicional, chega à mesa em forma de tacos! Tacos de perna de borrego cozinhada com especiarias, couve coração, cebolo e pickles de rábano, com um molho puxado à hortelã. A ideia é muito bom e , honestamente, também a concretização. Porque mesmo que saibamos que a combinação borrego e hortelã é sempre vencedora, há aqui um fantástico equilíbrio de sabores.
Seguimos com pratos criativos, ainda que nem todos sejam completamente “alentejanos”. O Arroz Preto com Lagostins tem um arroz cremoso com tinta de choco, lagostins, caviar de limão e crème fraiche, demasiada coisa, na nossa opinião, e demasiado afastada dos produtos e receitas da região. É bom, o prato, mas sai um bocadinho fora do conceito, dizemos nós.
Mais consensual é o Naco de Vazia Angus grelhado, servido com uma redução de balsâmico e queijo de ovelha curado. Carne perfeita, é verdade… mas o que é mesmo guloso são as Dirty Fries que pedimos para acompanhar: gomos de batata frita com queijo gratinado, barriga de porco fumada, cebola frita e azeite de trufa. Para comer até ao fim e lamber os dedos, malta!
As sobremesas seguem a mesma linha criativa, mas aqui há um cuidado ainda mais apurado nas técnicas e especialmente na apresentação. Talvez gostássemos de sobremesas mais “clássicas”, é verdade, mas sabemos no tipo de restaurante onde estamos… e, na verdade, esta criatividade e nota artística ajusta-se ao Howard’s Folly.
Primeiro, temos a rabanada… perdão, a French Toast Brullé. Que, basicamente, é uma rabanada, servida com um gelado de queijo azul, romã e mirtilos, assim como um molho de Vinho do Porto. Boa, nada a apontar, e tendo em conta que as rabanadas estão na moda, uma escolha acertada. Depois, a Tarte de Limão com Merengue, pó de azeitona e gelado de mel. No fundo, uma tarte de limão merengada, novamente sem nada a apontar, execução perfeita. Destaque para o gelado, sem dúvida, e o pó de azeitona é só giro para criar contraste cromático, mais nada.
Mas a grande surpresa das sobremesas é mesmo a Abóbora Assada, com Maracujá, abóbora fresca, gelado de canela e crumble de frutos secos. Não só é uma sobremesa visualmente fabulosa, como o conjunto de texturas e sabores combina de forma brilhante e mostra-nos que no Howard’s Folly há muito mais do que simples empratamentos bonitos para coisas tradicionais: há aqui muitas boas ideias, há aqui criatividade, técnica… e, acima de tudo, há aqui amor.
O café pode ser bebido na mesa ou então podemos regressar à zona do bar, onde a decoração tem pormenores deliciosos como as máquinas de costura antigas transformadas em tractores. A decoração, o mobiliário, a iluminação, enfim, tudo no Howard’s Folly está pensado para nos fazer ficar surpreendidos. Esse café pode ser acompanhado por um digestivo da imensa garrafeira que temos no restaurante, e que completa a sua oferta fantástica.
No fundo, o Howard’s Folly comprova aquilo que escrevemos no início do texto, lá muito em cima. O Alentejo está a tornar-se um pólo muito relevante da nova gastronomia nacional. Não só a tradicional, da qual sempre foi, mas daquela que procura inovar, ser diferente, mas utilizando tudo o que de bom há na região. Há aqui criatividade, há aqui qualidade… e mais do que uma tendência, há aqui a confirmação de que Lisboa e Porto deixaram de ser os únicos pólos da restauração em Portugal. O Alentejo está bem e recomenda-se. E o Howard’s Folly ajuda – em muito! – neste movimento.
Preço Médio: 30€ pessoa (com vinho)
Informações & Contactos:
Rua General Norton de Matos | 7100-107 Estremoz | 268 332 151