A criatividade ao serviço do sabor.
Sinto que não vou ao Porto tantas vezes como devia. Não só por causa da cidade em si, mas também porque há cada vez mais restaurantes interessantes a aparecer na zona, com conceitos inovadores. Ou mesmo no espectro contrário, há bastantes restaurantes tradicionais com muita história aos quais ainda não tive oportunidade de ir. É verdade que nem sempre há disponibilidade para fazer simplesmente passeios gastronómicos, mas no caso do Porto sinto sempre que devia investir um pouco mais…
Por isso, sempre que vou para a cidade (a maioria das vezes em trabalho), faço questão de pesquisar onde ir jantar, para aproveitar toda e qualquer oportunidade para conhecer sítios novos (novidades para mim, nem sempre novidades em absoluto). E não há nada que me deixe mais contente do que descobrir um restaurante novo, onde sou surpreendido pela positiva. Foi o que aconteceu há uns meses, no Esquina do Avesso.
O Esquina do Avesso é daqueles restaurantes difíceis de caracterizar, e por isso é que o encaixados na categoria de “cozinha de autor”. Porque estamos num registo de cozinha de base portuguesa, mas depois com influências (a nível de técnicas e ingredientes) de outras gastronomias, especialmente europeias. E é esta diversidade/complementaridade, aliada ao bom gosto no empratamento, que faz do Esquina do Avesso um dos restaurantes mais interessantes a que tive oportunidade de ir nos últimos tempos.
O espaço tem 2 salas diferentes, em 2 pisos, o que permite escolher entre um dos vários ambientes, mas transmite sempre aquela onda trendy, até porque tem muitos pequenos grupos de malta jovem. No exterior uma esplanada fechada, ideal para as noites de Verão, e logo à entrada temos ainda um pequeno balcão com 3 lugares, onde temos uma vista privilegiada para a cozinha. Isto para quem gosta destas coisas, claro.
A ementa é relativamente curta, como se quer, e sazonal, como devia ser sempre. Os melhores produtos e, acima de tudo, os produtos em épica, para criar pratos que façam sentido a nível de sabor. Por isso, é normal que alguns (ou todos) dos pratos que vou descrever de seguida não façam parte da ementa actual… mas isto torna o Esquina do Avesso ainda mais interessante. Porque mesmo com visitas frequentes, podemos nunca comer a mesma coisa.
O jantar começa com o couvert, onde temos pão de massa mãe, manteiga caseira e paté de fígado de aves, que é um bom entretenimento até chegar o primeiro prato: o Naan de Cogumelos Silvestres e Foie Gras, que até parece um prato vegetariano (só que não) e também parece um prato simples, mas também não é. Tem sabores da terra, tem texturas complexas, tem frescura.
Depois, o melhor da noite, a nível de sabor e de apresentação. O Tártaro de Vaca Maturada, é servido sobre uma Rabanada e leva ainda Molho Holandês Trufado e tudo neste prato é excelente. O tártaro em si é perfeito, saboroso, bem condimentado, e a ideia de o misturar com o hollandaise é muito bom, porque dá-lhe um sabor completamente diferente. E a rabanada, que pode parecer desajustada neste contexto, aqui funciona também muito bem, porque não só tem sabor como acaba por servir de base para a carne, que pode ser comida como uma espécie de sandes. Um prato muito bonito, é verdade, mas acima de tudo muito bem conseguido.
Ao mesmo tempo – porque os pratos são essencialmente para partilhar – o Bacalhau, Grão e Papada de Porco Preto. Podia ser um “surf & turf”, mas os elementos são servidos em separado. Num prato fundo temos uma posta de bacalhau fresco com um guisado de grão na base, um prato de conforto, que nos remete para as origens clássicas da nossa cozinha. Mas depois, num prato à parte, duas fatias de pão torrado com fatias finas de uma fantástica papada de porco preto que, por si só, é um snack fabuloso! Ou seja, isoladamente são dois pratos muito bons. Mas servidos juntos, como fazendo parte do mesmo prato? Estranho…
Para terminar, uma sobremesa, claro. E mesmo sendo poucas, é difícil escolher. Eu escolhi a Stout, Caramelo Salgado e Merengue de Limão, basicamente pelo nome. E fiz muito bem! É uma base de brownie de cerveja stout com uma calda de caramelo salgado, denso e com sabor muito intenso, que depois é contrabalançado pela acidez do merengue de limão e pelo sorvete (desculpem, não me lembro do que era, até porque o resto dos elementos era muito mais interessante). É uma sobremesa gulosa, maravilhosa, uma sobremesa que comia todos os dias!
No final, aquilo que senti é que no Esquina do Avesso a criatividade existe em abundância, é verdade, mas está sempre ao serviço do sabor. Porque o sabor tem sempre de ser o mais importante, seja em que tipo de restaurante for. Aqui temos sabores sazonais, intensos, contrastantes, temos pratos pensados para nos causar sensações, para nos ficar na memória.
Numa cidade que continua a ser um dos pólos mais interessantes da nova restauração na nacional, o Esquina do Avesso é uma óptima surpresa, ou se calhar uma esperada confirmação. Sendo difícil de caracterizar como restaurante, o adjectivo é mesmo “surpreendente”. Pela criatividade, pela forma como a cozinha faz sobressair cada matéria-prima, pela apresentação dos pratos e pelos sabores que se conseguem obter. É uma referência, numa cidade cheia de referências.
Preço Médio: 35€ pessoa (com vinho)
Informações & Contactos:
Rua de Santa Catarina, 102 | 4450-631 Leça da Palmeira | 912 286 521