Encanto na comida, desencanto no serviço.
“Desculpe, mas pode explicar-nos o que é este item de “serviço discrecionário” na conta?”
E pronto… foi assim que terminou o nosso jantar no novo restaurante do Avillez.
“Sim, claro: isso é a nossa sugestão de gorjeta para o serviço.”
“Mas é obrigatório ou facultativo?”
“É uma sugestão, podem deixar ou não…”
“Mas então – e desculpe insistir – se é um valor facultativo, porque é que já vem somado à conta final?”
“Sim, está, mas nós geralmente avisamos antes de pagar…”
“Certo, mas a nós não nos avisou, íamos pagar agora e por acaso reparámos nisso.”
Sim, é este o destaque que damos a um restaurante como este. Porque independentemente de tudo, isto foi o que marcou a nossa experiência, não só por ter acontecido no final, mas porque foi o culminar de várias coisas que não correram assim tão bem, especialmente a nível do serviço. E até temos pena que isto tenha acontecido no Encanto, o novo restaurante do Chef José Avillez, não pelo Chef em si, mas pela imensa curiosidade que tínhamos em experimentar. Enfim…
Ora, à partida a ideia para o Encanto parece claramente vencedora: estamos numa fase em que a cozinha vegetariana está cada vez mais presente no nosso dia-a-dia, com opções cada vez mais completa (e complexas), por isso faz todo o sentido que um Chef de renome abra um restaurante completamente vegetariano. Mais do que um simples vegetariano, um vegetariano de autor, com um menu de degustação, claramente a piscar o olho a uma Estrela Michelin (das verdes ou das normais). Não há nada de errado nisso, aliás, muito pelo contrário. Mas, mesmo tendo em conta que o restaurante abriu há cerca de 2 meses, é preciso afinar alguns pormenores para chegarem a esse patamar. Isto dizemos nós, claro.
O Encanto fica no espaço onde era o antigo Belcanto, porque o Chef Avillez continua a ter o (quase) monopólio dessa zona do Chiado, e a verdade é que o trabalho de design de interiores e decoração é muito interessante. O restaurante está cheio de pormenores deliciosos de decoração, a iluminação é muito bem seccionada, o uso de madeira escura dá-lhe assim um look meio rural… mas sem ter nada a ver. Não é demasiado formal mas mantém a sofisticação.
No Encanto temos um menu de degustação, e não esperávamos outra coisa. Constituído por 14 momentos no total, há muita coisa que nos desperta a curiosidade logo na leitura, o que é sempre muito bom. Mas mais do que isso, aquilo que sentimos é que há claramente uma ideia de evolução de intensidade nesta construção de menu. Vamos sendo guiados por sabores menos intensos até aos mais complexos e “quentes”, se quiserem, e este caminho está bem pensado e muito bem trabalhado. Nem todos os pratos são surpreendentes, é verdade, mas sentimos o crescendo de intensidade a que se propõem.
Como começa a ser habitual neste tipo de restaurantes, o couvert (vulgo, pão) chega já depois do começo do menu de degustação. E é exactamente a partir do momento do pão que começamos a sentir as inconsistências no serviço, que até tinha começado muito bem. Este momento é servido em simultâneo com o seguinte (a Cenoura, na foto em baixo), e por isso não temos prato na mesa… o que, como é óbvio, significa que as migalhas de pão se vão espalhando um pouco por todo o lado. É inevitável, malta, é pão. Mas o que nos incomoda é que, num restaurante em que os empregados calçam luvas para nos trocar os talheres, esses mesmos empregados deixam a mesa cheia de migalhas durante mais 4 momentos, o equivalente a meia hora pelo menos. Vão colocando os pratos e talheres em cima das migalhas… que, curiosamente, só são limpas imediatamente depois de termos começado a tirar fotografias à mesa assim suja. Engraçado, não é?
Voltando aos pratos em si, há no Encanto uma tentativa muito inteligente de destacar uma matéria-prima em cada momento, ainda que os pratos sejam elaborados com muitos mais ingredientes. A nível de sabor, se quisermos, ainda hoje conseguimos identificar qual é o elemento principal de cada prato, e isso é muito bom porque significa que a execução nos transporta para a viagem na qual nos querem levar. Além disso, as técnicas são apuradas e temos várias texturas em cada prato – até para contornar o facto de não existir proteína animal.
Mas por mais interessante que esteja a ser a comida, este é um jantar onde voltamos frequentemente a ser confrontados com questões que nos incomodam no serviço. Como por exemplo, a apresentação dos pratos, que muda radicalmente consoante a pessoa que os traz à mesa. Se há uns que são explicados ao pormenor, como devem ser num restaurante deste tipo e quando se criam pratos destes… depois há outros que nos são descritos apenas pelo nome. Ou seja, não me serve de nada receber um prato complexo e ouvir “Isto é um Caril Verde.”
Assim como nos serve ainda menos ouvir apresentar um prato como “Arroz, Espinafres e Trufa Preta”. Tanto que este temos mesmo de perguntar sobre mais pormenores, sobre como é feito, como é que o arroz fica negro sem utilizar tinta de choco ou outra coisa qualquer de origem animal (é cinza, por sinal). Podem ser apenas a nossa opinião, mas num restaurante com este tipo de registo, todos os empregados devem ter a mesma informação, e serem capazes de nos envolver na explicação dos pratos. Porque se é para ler o que está na ementa, isso fazemos nós.
No meio destes pormenores do serviço – que se tornam muito mais importantes devido à conta final – temos pratos verdadeiramente fantásticos, como por exemplo o tal Caril Verde com todo o tipo de legumes e citrinos, a Couve-Coração com Queijo da Ilha ou o Tártaro de Beterraba com Batata Doce. Há aqui um cuidado em não complicar demasiado os pratos, para destacar o produto, o que num vegetariano é ainda mais importante. Nem tudo é inovador, mas não precisa de ser. Precisamos é de sentir que o menu foi pensado de forma a proporcionar uma experiência vegetariana mesmo para quem não é vegetariano, para que não sintam falta da proteína animal.
Uma palavra para o pairing de vinhos… mas novamente pela negativa (e escolhemos o pairing mais caro e extenso). Não pelos vinhos em si, que são muito interessantes e acompanham bem a maioria dos pratos, mas novamente pelo serviço. Porque é-nos sugerido e aceitamos… mas ninguém nos diz que esse pairing começa só já no segundo momento do menu de degustação. Ou seja, no primeiro momento – constituído por 4 snacks – estamos a água. Quando perguntamos a razão, explicam-nos então que o pairing só começa depois e que como não pedimos nenhum cocktail para começar… pronto. Ora, será que não valia a pena terem explicado isso logo de início, quando “vendem” o pairing? Ou ainda melhor: será que não faria sentido explicarem e fazerem um push de alguma coisa para acompanhar o primeiro momento do menu? Sei lá, parece-me fazer sentido…
Mas vá, voltemos às coisas positivas, porque por mais que o serviço nos fosse irritando, depois aparecia a comida. E quando entramos nas sobremesas temos coisas verdadeiramente fantásticas! Começando pela pré-sobremesa, na foto de cima, com um Sorvete de Morango acompanhado por uma Mousse de Coco e mini Brócolos. Honestamente, nunca tínhamos pensado em brócolos numa sobremesa, e aqui resultam na perfeição, porque trazem textura à sobremesa, além de lhe dar um toque vegetal muito engraçado. E as duas sobremesas do menu não ficam nada atrás, porque não só são esteticamente lindas, como nos trazem sabores muito interessantes e um equilíbrio perfeito entre doce e acidez. Que final de menu perfeito!
Mas, no fim, voltamos ao serviço… e temos então a situação da conta. Que aconteceu exactamente como descrito em cima, e temos mesmo pena de sequer ter perguntado alguma coisa, porque temos 99% de certeza que iríamos pagar o valor da “gorjeta sugerida”, por estar incluído na conta. Honestamente, achamos parvo. E mais do que isso, pouco honesto. Se é um valor sugerido, não vem somado na conta final, é tão simples como isso. E nem sequer é pelo valor em si, porque quem está disposto a pagar o valor de uma refeição no Encanto, paga também o valor “sugerido” do serviço. É uma questão de honestidade, tão simples como isso.
E… sim, como se isto não bastasse, é neste momento que vamos à casa de banho… onde não há toalhas para limpar as mãos. Nem nas dos homens nem na das mulheres. Ok, agora vão aparecer aquelas pessoas que dizem que estamos a ser picuinhas e tal… mas é para o lado que dormimos melhor. Estamos a falar de um restaurante onde cada pessoa paga sempre mais de 100€ por uma refeição, e esse valor pode ser muito mais alto. Ora… não me limpam a mesa, não me explicam os pratos… e quando vou à casa de banho, saio com as mãos a pingar porque não há toalhas? Desculpem lá, mas numa tasca ainda vá que não vá. Agora aqui não.
Ou seja, o nosso jantar no Encanto fica marcado por estas inconsistências no serviço, que consideramos graves tendo em conta o valor final que pagamos. Porque tem tudo a ver com isso: se pagamos por uma experiência muito acima da média, uma experiência gourmet, então o serviço tem de acompanhar a comida e o preço. É tão simples como isso. O Encanto tem um menu excelente e tem todo o potencial para até ser mais uma das estrelas na constelação do Chef José Avillez, mas precisa mesmo de garantir que o serviço é mais consistente, e nem sequer o ter aberto recentemente nos funciona como justificação (tendo em conta a experiência que o Chef e o seu grupo têm). É mesmo só preciso mais atenção e respeito pelos clientes.
Preço Médio: 95€ pessoa só o menu (acresce 45€ ou 65€ de pairing de vinhos)
Informações & Contactos:
Largo de São Carlos, 10 | 1200-410 Lisboa | 21 162 63 10
Jamais colocarei os pés neste restaurante. Valeu e obrigada pela reportagem
Tinha pedido um jantar neste restaurante como presente de aniversário, mas perdi a vontade com este post, acho que ia ficar todo o tempo pré-irritada, à espera da “gratificação sugerida”. E provavelmente até sou uma pessoa que tenderiaa uma gorjeta generosa, se bem atendida.
Alguém devia informar tanto o grupo Avillez como Honoratos e às tantas outros que esta prática deixa as pessoas com vontade de nunca mais lá voltar ou, no caso, nem sequer chegar a ir.
Preço Médio: 95€ pessoa só o menu
AHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH
Comigo o Avilol não enche os bolsos!!!
Qual era o valor dessa sugestão?
🤪🤪