Gente nova, a fazer a comida boa de sempre!
Já tinha o Faz Frio na minha lista (infindável) de restaurantes onde ir há bastante tempo. Mas a verdade é que o interesse ficou ainda maior quando, há umas semanas, jantei com o Chef Mateus Freire num evento. Esqueçam lá o estereótipo do Chef tradicional ou mesmo aquele da nova geração, mais convencido… o Mateus é um tipo normal, um cozinheiro, um miúdo que gosta da cozinha, de sabores, de fazer as coisas bem feitas. O nome do Vitor Claro veio à baila várias vezes durante o jantar, porque o Mateus foi seu sub-chef durante muito tempo, e isso só me deixou ainda melhores referências.
E depois havia outros rumores… rumores que circulavam entre o grupo de amigos que frequenta restaurantes e que eram praticamente unânimes a dizer que o Faz Frio tem dos melhores pastéis de bacalhau de Lisboa. Se não mesmo OS melhores. Por isso… 🙂
Mas ainda antes de falar da comida (e dos pastéis de bacalhau, minha gente, daqueles pastéis de bacalhau…), o Faz Frio surpreende-nos pelo espaço, que foi renovado mas mantém muitos dos elementos originais, com mais de 100 anos de história. Temos os azulejos que cobrem as paredes do restaurante, os compartimentos para mesas de grupo, assim como outros elementos de decoração que, aliados ao mobiliário mais “moderno-vintage”, transformam o Faz Frio numa espécie de tasca moderna… mas onde percebemos que há história.
Somos 4 pessoas na mesa, por isso sabemos que vamos provar muita coisa, o que é sempre muito interessantes. Os pastéis já estavam mais do que escolhidos, e depois vamos olhando para a ardósia onde está escrita a ementa e as indecisões vão crescendo. Sendo que a segunda escolha é logo riscada, porque naquele dia já não havia Salada Russa (e as saudades que eu já tenho de uma boa salada russa…).
Os Pastéis de Bacalhau do Faz Frio são uma das melhores coisas de toda a ementa, e percebemos isso assim que damos a primeira trica num deles, ainda quente, assim que chegam à mesa. Aliás, são tão bons que entram para o top dos já comidos em restaurantes em Lisboa, a par dos da Taberna Sal Grosso. A massa é crocante qb, o recheio é delicioso e aguenta-se bem mesmo depois da primeira dentada. A opinião é unânime na mesa: podíamos ir pedindo mais e ficar só por ali.
Mas não ficamos, e vão aparecendo na mesa outros pratos nossos conhecidos, entre petiscos e outros mais encaixados no registo de pratos principais. É isto que torna o Faz Frio engraçado: há efectivamente uma ligação genuína à cozinha tradicional portuguesa, mas sem grandes moderníces, sem grandes invenções. Porque se a comida portuguesa é para ser celebrada, que seja como realmente é: simples, honesta, saborosa.
Temos uma Meia Desfeita de Bacalhau com Grão, boa, bem regada com azeite, gulosa, servida quase ao mesmo tempo da Salada de Ovas que, quando a vemos, percebemos que não é bem uma salada mas sim umas belas postas de ovas, ainda com as marcas ligeiras da grelha. Cozinhadas no ponto, avinagradas, excelentes. Mesmo não sendo bem a salada de ovas tradicional, tem todo aquele sabor que nos faz lembrar as tascas do antigamente.
Depois, o Pica Pau, provavelmente o segundo melhor prato dos que provámos. E não porque os outros estejam maus, nada disso, apenas porque este pica pau é assim do outro mundo! A carne é deliciosa e tenra, bem temperada, e o molho é fantástico. A proporção ideal de pickles (também muito bons), enfim, tudo neste pica pau é maravilhoso, daí que nos faça pedir pão, mais pão. Porque aquele molho não pode voltar para trás.
Nos pratos principais, ainda que nós tenhamos pedido para vir tudo para a mesa mais ou menos ao mesmo tempo, temos um dos mais pedidos da casa: o Xerém de Amêijoas com Cachaço de Porco Preto, muito saboroso o xerém, menos bem conseguido o porco, que passou bastante o ponto e ficou seco. O sabor está lá, mas a execução foi um bocado ao lado. Felizmente, uma excelente surpresa com o prato do dia, uma Açorda de Camarão muito bem feita e apurada, com bastante do bicho e com a textura que se quer. Não é daquelas escolhas óbvias, porque nem sempre apanhamos boas açordas, mas esta era realmente muito boa.
Lá está, coisas simples, bem feitas, com sabores que nos remetem para memórias de outros tempos. Não há nada melhor do que isso. E é essa a razão que me leva a pedir a Mousse de Chocolate para sobremesa, ainda que não seja especialmente fã. A Mousse de Chocolate no Faz Frio é servida assim quase em forma de quenelle gigante no prato, acompanhada com apontamentos de doce de abóbora e laranja e ainda polvilhada com lascas de amêndoa… mas na realidade precisa pouco disso tudo, porque a mousse é excelente, tanto a nível de sabor (e nem é muito doce, por isso acaba por não se tornar enjoativa) com da própria textura. Uma mousse à antiga!
No fim do almoço, a conversa dos 4 passa pela “avaliação” dos pratos, claro… mas a opinião geral está completamente alinhada: comida tradicional, daquela que é mesmo genuína. O Faz Frio herdou a herança de um espaço centenário e fez um upgrade ao espaço (e aos preços, há que admitir, que não são os mais baratos que já vimos… mas pronto, estamos no Príncipe Real), mas tenta manter-se fiel ao que são as nossas raízes gastronómicas. E isso percebe-se tanto na tal conversa ao jantar com o Chef Mateus, como ainda melhor quando nos sentamos à mesa do restaurante a provar prato após prato.
Demorou mais do que devia a visita ao Faz Frio, tenho de admitir. Mas também tenho a certeza que esta primeira visita vai ser a primeira de muitas. Seja pelos pastéis de bacalhau, pelo pica pau, ou simplesmente porque às vezes queremos sentir o peso… e o sabor da história.
Preço Médio: 23€ pessoa (com vinho)
Informações & Contactos:
Rua Dom Pedro V, 96 | 1250-092 Lisboa | 215814296