Um boteco que podia ser mais boteco…
Qualquer restaurante, quando abre, tem de encontrar o seu posicionamento. Para o próprio restaurante e para a sua comunicação, para que se possa diferenciar dos outros (tanto dos que lhe fazem concorrência directa como de todos os outros, em geral). E se é verdade que há categorias em essa diferenciação é muito complicada (como nas hamburguerias ou nas tascas modernas, porque há tantas que inevitavelmente começa tudo a repetir-se), também é verdade que há outras onde a concorrência é pouca e, por isso, a diferenciação devia ser fácil. Mesmo sem inventar muito. “Devia”… porque às vezes a promessa de posicionamento choca um bocado com a realidade do restaurante.
Ora, ouvimos falar do Boteco Dona Beija desde a sua abertura, muito por causa da boa gestão que têm de redes sociais. Fomos “bombardeados” com notícias, posts, stories, tudo e mais alguma coisa, sobre este primeiro “boteco” brasileiro genuíno a abrir em Lisboa. Porque é uma lacuna que existe, há alguns restaurantes brasileiros na capital mas ou se focam apenas em picanha ou são demasiado turísticos (a excepção à regra é o maravilhoso Aromas & Temperos, em Arroios, sobre o qual podem ler aqui o que escrevemos).
Talvez por isso mesmo, a abertura deste boteco despertou-nos a curiosidade. E quando isso acontece, não demora muito a irmos lá jantar 😉
E bom… a primeira impressão é uma desilusão. O Dona Beija tem muito pouco de “verdadeiro boteco” brasileiro, pelo menos a nível de espaço. E atenção, sabemos que estamos a imaginar aqueles botecos mais tradicionais que se encontram nas ruas do Rio de Janeiro, mas acho que é normal que o nosso imaginário seja esse.
No Dona Beija não sentimos esse impacto no espaço. O restaurante é um boteco brasileiro como podia ser uma hamburgueria, ou uma tasca moderna ou um outro tipo de restaurante qualquer. Não sentimos “Brasil” no espaço, de todo. O que atenua um pouco essa desilusão é o barulho, que já associamos ao típico boteco. Música um pouco mais alta do que o habitual, numa playlist de música brasileira mais moderna, que só serve para aumentar o volume de voz de quem já está nas mesas. Rapidamente percebemos que a empregada é brasileira, assim como alguns clientes, e o facto de não se importarem de mandar “piropos” de um lado para o outro da sala faz com quem, agora sim, sintamos que estamos numa esquina qualquer no Rio.
Por falar no serviço, fomos num final de tarde com algum movimento, e apenas uma pessoa na sala não dá para tudo. Muita simpatia, disso não há dúvida, mas a empregada não tem mãos a medir. Pode ter sido pontual, e realmente a simpatia compensa o resto.
Mas vamos lá falar de comida! Ou antes, da comida de um verdadeiro boteco brasileiro. A ementa sugere a partilha – tanto das entradas como mesmo dos pratos principais – e vemos por lá alguns “velhos conhecidos” e outras coisas que nos chamam a atenção. Decidimos à partida que vamos pedir mais petiscos e depois talvez dividir um prato (que decidimos logo não ser a picanha, para variar).
Pedimos então as clássicas Coxinhas de Galinha, muito grandes e bem recheadas, sobre uma cama de queijo catupiry, que devia ser mais para ajudar a fazer contraste com o muito recheio das coxinhas. Por outro lado, pedimos algo que nos chamou a atenção, os Bolinhos de Feijoada, que acabaram por desiludir um pouco… O recheio é uma pasta de feijão preto com um pouco de couve ripada, só isso. Se calhar nós é que esperávamos carnes e enchidos e coisas dessas.
Um excelente petisco são os Dadinhos de Tapioca! Pequenos cubos (daí o termo dado) de tapioca para molhar numa geleia de pimenta deliciosa, ligeiramente picante. Parece simples mas realmente é um petisco delicioso!
Tendo em conta que a lógica no Dona Beija é partilhar pratos, mesmo depois destas entrada resolvemos partilhar um prato mais substancial. Não que fosse preciso, porque as doses mesmo das entradas são significativas. O Filé com Catupiry Gratinado é daqueles pratos que associamos logo ao Brasil, muito por causa da cobertura de queijo por cima da carne. Acaba por ser um pouco pesado para comer depois das entradas, mas não deixa de ser um prato interessante.
A acompanhar estes petiscos “para matar a fome aos poucos”, caipirinhas, claro! Há na lista algumas diferentes, mas ficámos pelas clássicas, bem boas por sinal. Não demasiado agressivas mas também não fraquinhas, estão ali no ponto ideal. Aqui já nos sentimos num boteco novamente 😉
Para outra visita ficam as sandes (que têm todas óptimo aspecto) e por isso terminamos com uma sobremesa, ainda que tenhamos a ideia de não ser o forte na comida brasileira. Da lista o que se destaca mais para nós é o Doce de Leite com Queijo Coalho, e é isso que pedimos mesmo. Basicamente é um pedaço de queijo coalho – um tipo de queijo muito utilizado na zona nordeste do Brasil – coberto por uma camada de doce de leite e acompanhado de paçoca (que é uma espécie de crumble feito com amendoim, farinha de mandioca e açúcar). Todo o conjunto é muito guloso, mas também é demasiado igual, talvez precisasse de algum contraste de sabores, alguma acidez… mas não deixa de ser guloso.
O nosso jantar chega ao fim e o restaurante continua praticamente cheio, ainda que maioritariamente por turistas. A azáfama é maior, o barulho aumenta e só faltava mesmo uma decoração diferente para fazermos essa viagem até às ruas de uma cidade brasileira. A comida ajuda um pouco, é verdade, porque tenta mostrar-nos coisas novas e, mesmo nas que já conhecemos, há pelo menos a tentativa de satisfazer pela quantidade.
Se este é um verdadeiro boteco brasileiro? Desconfiamos que não, e o próprio espaço não ajuda muito a passar esse mood, ainda que no resto estejamos mais próximos. De qualquer forma, o Dona Beija é um restaurante brasileiro diferente dos típicos restaurantes brasileiros de Lisboa, e isso já é positivo. Talvez o tempo ajude a afinar o conceito e, daqui a uns meses, possamos lá entrar e sentir-nos numa ruela do Rio de Janeiro!
Preço Médio: 18€ pessoa (com caipirinha)
Informações & Contactos:
Av. Duque de Loulé, 22b | 1050-085 Lisboa | 21 357 0135
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