O Alentejo vem com a comida… mas também com a simpatia.
Numa fase da nossa evolução em que já não temos acesso à informação sem recorrer às redes sociais, é uma lufada de ar fresco conhecer sítios como o Lugar ao Sul. Restaurantes sobre os quais ouvimos falar não por ver posts de Instagram, mas porque vamos recebendo mensagens ou telefonemas de amigos, vamos falando com pessoas… e acabam por ser um lugar comum nessas conversas todas. Aquele passa a palavra que agora é uma coisa tão “old school” mas que esteve na génese do Onde Vamos Jantar? e que é o melhor que um restaurante pode proporcionar: clientes tão satisfeitos que não perdem tempo até contar a todos os amigos.
E, mesmo não sendo perfeito a nível da comida, o Lugar ao Sul é um restaurante fantástico! Porque ao ambiente completamente tradicional acrescentamos aqui uma simpatia tão genuína que sentimos estar mesmo no Alentejo mais profundo. Onde somos tratados como amigos, mesmo que seja a primeira vez que nos conhecemos.
Estou sempre a dizer o mesmo, a repetir-me: a grande maioria das vezes, o que me faz gostar e voltar a um restaurante não é necessariamente a comida. Sim, tem de ser boa, mas não tem de ser excelente. Aquilo que mais valorizo é a experiência completa, da qual a comida é apenas uma parte. O que me faz mesmo querer voltar a um restaurante é sentir-me lá bem! Sentir que sou bem tratado, que nos dão atenção, que se preocupam connosco. Que nos ouvem com genuíno interesse. Que nos tratam como se fôssemos parte da casa. E se sentir isto num restaurante, a comida até pode ter altos e baixos… mas eu vou querer voltar sempre que possa.
E isto foi aquilo que senti quando sai de um almoço de quase 3h no Lugar ao Sul, na Falagueira. Aliás, já senti um pouco disso nas duas vezes que tentei marcar antes de finalmente conseguir, e onde quem me atendeu foi tão genuinamente simpático que só pensei “tenho de lá ir o mais rápido possível!!!”
O Lugar ao Sul foi daqueles restaurantes que chegou até mim da forma mais tradicional possível, como acontecia antigamente: amigos e conhecidos foram até lá e, mais do que partilharem no Instagram, foram comentando comigo. Foram vários meses em jantares e almoços em que alguém na mesa fazia a pergunta repetidamente: “Então, e já foram ao Lugar ao Sul? Aquilo é fantástico!” E isto foi fazendo crescer o interesse, aliado ao facto de estarmos a falar de um restaurante alentejano… ao ponto de tentar várias vezes sem sucesso e depois decidir marcar mesa para umas quantas pessoas, num dia aleatório ao almoço, e depois logo se via. E finalmente consegui!
Quando entro no Lugar ao Sul, percebo a dificuldade em arranjar mesa: a sala do restaurante é muito pequena, por isso é normal que encha rapidamente. Curioso é ver que os clientes são um mistos de pessoas claramente ali do bairro, e outras que se percebe terem vindo “de fora”, para experimentar. Seja o cliente que for, o serviço é sempre igual: sentimos o sorriso atrás da máscara, sentimos a preocupação, e não há nada melhor que isso. O Rui e a Filipa são duas pessoas fantásticas, que gostam daquilo que fazem, que é levar felicidade às pessoas que se sentam nas suas mesas. Fico rendido logo na primeira conversa!
E depois fico irritado… porque olho para a lista e quero pedir tudo!!! Somos 5 pessoas, malta que gosta de comer, e todos temos o mesmo problema: tantos pratos e tão pouco tempo. A base da cozinha alentejana está ali toda, com coisas clássicas como as migas, a carne de alguidar ou o cação, mas também há muitas outras coisas que nos despertam a atenção e que queremos mesmo muito provar. E isto sem contar com os pratos do dia, que nem estão na carta!
Na mesa logo quando chego estão os melhores Torresmos de Rissol que já comi, e nem preciso de pensar duas vezes. São completamente viciantes!! E quando pensava que os torresmos iam ser o melhor das entradas… eis que chegam à mesa os Passarinhos Fritos. Porra… isto é só o melhor petisco que sempre!!! Não é muito fácil encontrar passarinhos mesmo nas ementas de restaurantes mais tradicionais, mas quando são bem feitos, são uma coisa extraordinária! Aqui no Lugar ao Sul nem há explicação: a fritura é perfeita, crocantes por fora e tenros por dentro, para comer ossinhos e tudo, com um bocadinho de limão e um molho de azeite e coentros. MARAVILHOSO!!!!
E depois começa a chegar a comida, onde posso identificar alguns altos e baixos, especialmente por comparação. Passamos muito tempo no Alentejo, por isso é normal que a cada prato que provo no Lugar ao Sul pense noutros que provei algures por terras alentejanas… uns melhores e outros piores. Por exemplo, a vegetariana da mesa pediu uns ovos com espargos que estavam bons, acompanhados com umas Migas de Batata Doce e Grão que são verdadeiramente fantásticas! Estas migas, mesmo diferentes daquelas com que estou mais familiarizado, transportam-me par ao Alentejo. E isso é o mais importante.
Continuando nos pratos que, sendo simples, são também muito bons a nível de sabor, temos a Farinheira Dourada. Que, na realidade, é um brás de farinheira, servido daquela forma mais básica que se serve o brás, mas onde o sabor é tudo. A cremosidade, o equilíbrio entre a farinheira, o ovo e a batata, tudo aqui resulta muito bem. Não sendo surpreendente, é um prato muito bom a nível de sabor, e dá-nos aquele conforto que pretendemos da comida.
Só que não posso deixar de falar dos pratos menos bem conseguidos. Atenção, quero destacar duas coisas importantes: em primeiro lugar, nenhum destes dois pratos está completamente mau, nada disso, só que já comemos versões muito melhores; depois, e se calhar o mais importante, quando explicamos ao Rui o que não gostámos, há uma preocupação genuína, quase uma tristeza. E sei que as opiniões são subjectivas e que outras pessoas podem gostar… mas o facto de quem está à frente do restaurante se preocupar com a opinião de cada cliente, isso é uma coisa que não se encontra já em muito restaurante na Grande Lisboa. Mesmo.
Os Pézinhos de Coentrada pecam pela falta de textura e sabor no molho. Está aguado, falta-lhe sal… não sei, todos na mesa acharam que faltava ali qualquer coisa, sem saber identificar exactamente o quê. E a Barriga de Porco de Coentrada é muito diferente do que esperávamos todos, são basicamente tiras de entremeada com um molho de coentrada, um bocado duras até. O puré de maçã que acompanha o prato é bom, mas não safa a base, que é a carne.
Mas a fasquia volta a subir – e de que maneira – com o Cozido de Grão. Este sim, super apurado, muito bem servido, saboroso. Já comi muitos cozidos de grão tanto no Alentejo como no Algarve e este fica entre os melhores, sem dúvida.
Os pratos mudam diariamente, e se há sempre alguns que geram maior consenso entre os clientes como o Cachaço Grelhado ou mesmo o Ensopado de Borrego – pratos a que nos habituámos nas nossas recorrentes visitas a terras alentejanas…
… depois também há coisinhas especiais e para quem gosta de coisas mais fora da caixa: a Mioleira com Ovos Mexidos e Fígados, uma bomba de texturas e sabores, por exemplo; ou a Surraburra, um prato típico do Baixo Alentejo e da altura da matança do porco, que aproveita especialmente os fígados do bicho e o seu sangue, intenso, saboroso, para homens de barba rija!
Para terminar um almoço num restaurante alentejano, o Lugar ao Sul dá-me exactamente aquilo que estou à espera. Doces conventuais, é verdade… mas em versão pijaminha!!! Malta, se calhar sou só eu, mas para mim o Pijaminha de Sobremesas devia ser elevado à categoria de “obrigatório” em todos os restaurantes! É tão simples como isso! Aqui há Sericaia, Farófias, Encharcada e uma espécie de Morgado, todas muito bem feitas e gulosas, a fazer as delícias do resto da mesa (mas só porque não sou mesmo gajo de doces).
Se o Lugar ao Sul é um restaurante perfeito? Não em todos os parâmetros, especialmente porque a comida teve altos e baixos, como pode acontecer em qualquer lado ou em qualquer dia. Mas o Lugar ao Sul tem aquilo que falta a muitos – senão à grande parte – dos restaurantes em Lisboa: simpatia genuína. Genuína ao ponto de ficarmos tristes porque um prato não era o que esperávamos e percebermos que os donos ficam também muito tristes porque não gostámos. Isto é raríssimo de encontrar em Lisboa. E é esta simpatia e a forma como nos sentimos bem lá durante todo o almoço que me fez sair do restaurante já a pensar quando é que lá vou voltar para provar o resto dos pratos. Porque a comida até pode ser subjectiva, mas a simpatia nunca é.
Preço Médio: 18€ (com vinho da casa e pijaminha de sobremesas)
Informações & Contactos:
Avenida Eduardo Jorge, 8 B | 2700-307 Amadora | 21 136 95 10