Cozinha com tradição. E muito sabor!
A cozinha portuguesa não tem de ser complicada. Aliás, a cozinha portuguesa é bastante simples – talvez não o sejam as receitas, a confecção, mas são os sabores. Produto bom, bem confecionado, e o resultado são sabores incríveis e que criam memórias. Por isso, quanto mais se tenta inventar sobre o receituário tradicional, geralmente mais se acerta ao lado. É preciso evoluir, é verdade, mas essa evolução deve ser feita mantendo sempre em mente que os pratos têm de ser saborosos. E basta olhar para esta mesa de entradas que abriram as hostilidades no nosso almoço no Intenso para perceber que estamos nesse registo: comida de raiz tradicional portuguesa. Saborosa, intensa.

Fomos ao Intenso porque conhecermos o Chef Mateus Freire há muito tempo e temos acompanhado o seu percurso. As suas raízes beirãs fazem com que tente sempre apresentar uma cozinha muito tradicional, muito focada nos pratos da Beira Baixa, sem grandes invenções. Atenção, o “sem grandes invenções” não quer dizer que os pratos do Mateus não tenham um cunho especial, ou um toque mais moderno a nível de técnicas ou de empratamento. Mas a base está lá: cozinha portuguesa tradicional, onde o sabor é o mais importante.

E aquilo que sentimos durante todo o nosso almoço no Intenso foi extactamente isso: que os pratos refletem uma paixão extrema que o Chef Mateus tem pela cozinha. Pela sua cozinha, pelas suas raízes. São pratos que conhecemos, que nos trazem memórias, algumas que nem são nossas, mas que as sentimos também. Foi um almoço cheio de sabores intensos – e sim, vamos continuar a fazer este trocadilho.

O Intenso fica no Cais do Sodré, onde antes era o Planto, restaurante que também tinha o Mateus como responsável pela cozinha. Mudou o nome, mudou o conceito, mudou o espaço. O Intenso tem pinta, nota-se logo à entrada que houve um cuidado extremo com a decoração do espaço. No neon no fundo da sala lemos “Tem de Ser”, porque se quer uma leitura vinda do exterior, incluindo o nome do espaço: “Tem de Ser… Intenso”. Depois, temos uma sala com boa iluminação, mesas de um lado e balcão de bar no outro, mas o principal destaque são mesmo as molduras que preenchem as paredes e – pasme-se – o tecto. É verdade, imensas molduras com ilustrações personalizadas, que vamos descobrindo ao logo da refeição, à medida que vamos olhando melhor. É quase um jogo, está muito bem pensado.

Já tínhamos visto a ementa antes de entrar no Intenso, e o grande problema era mesmo escolher o que íamos comer. Porque aqui a expressão “um de cada” ajusta-se na perfeição para qualquer pedido. Tudo pratos que reconhecemos, tudo pratos que sabemos que gostamos… e ainda nem sequer os provámos com o toque especial que o Mateus dá à sua comida.
Sabíamos sim, que não poderiam faltar algumas das entradas a que já estamos habituados nos restaurantes deste senhor. Especialmente os Peixinhos da Horta (com maionese de pimentos verdes assados), que são provavelmente os melhores que se comem em restaurantes na Grande Lisboa! É o sabor, é a textura, é a fritura, no fundo, é tudo! São simplesmente fantásticos!

Mas não é só isso, mesmo no registo das entradas: o pastel de Massa Tenra de de Pezinhos de Coentrada é uma surpresa, porque não só a massa é muito boa como o recheio tem muito sabor e não afasta quem não goste da textura dos pezinhos; a Empada de Cogumelos é boa, não sendo surpreendente; e o Escabeche de Coelho Bravo é tudo aquilo que queremos num escabeche – acidez, sabor, textura – mas com um toque de inovação com o puré de cherovia e a cebola frita a dar-lhe crocância. Uma mesa farta, uma mesa portuguesa.

Deixamo-nos ficar nas mãos do Chef, e por isso vão aparecendo pratos na mesa. Começando por um que ainda não está na carta mas ao qual fizemos o “test-drive”: o Xerém com Amêijoas à Bulhão Pato. Ora, não somos especialmente fãs de xerém, porque a maioria das vezes ou tem uma textura demasiado sólida ou então não sabe a nada, é apenas uma pasta… o que não acontece aqui com este prato que nos foi servido no Intenso. O xerém tem a textura perfeita e absorve realmente aquele sabor do Bulhão Pato das amêijoas, o que o torna um petisco muito bom para os dias de Verão!
E seguimos com aquele que foi um dos melhores pratos do almoço: a Lula Grelhada com Molho de Caldeirada e Açorda de Coentros. Sendo que aqui não conseguimos dizer-vos o que é que estava melhor! Se a lula, cozinhada no ponto, perfeita em textura; se o molho, forte, rico, intenso, uma caldeirada condensada; se a açorda, das melhores que já comemos, muito leve, muito aromática, perfeita! Há outros pratos emblemáticos de lula a serem servidos em Lisboa – como a Lula com Laranja do O Velho Eurico ou a Lula de Torneira com Manteiga de Ovelha do Canalha – mas este tornou-se o nosso preferido. E é tão simples como isso!


A criatividade que vemos no prato da Lula, vemo-la também no Arroz de Polvo. Porque esperamos sempre que um arroz de polvo seja servido num tacho, um arroz malandrinho… só que não, pelo menos não aqui no Intenso. Aqui temos um Arroz de Forno com um Polvo Grelhado, e o conjunto funciona na perfeição! O polvo está tão tenro que nem sequer há palavras para o descrever, e o arroz ganha aquela camada crocante sem perder o seu sabor, o que nos transporta para um festival de texturas. É um prato tradicional, sem dúvida, mas também é um prato de autor, um prato moderno.
E um Bitoque, como é que se reinventa? Pois que não sabemos, mas terminamos o nosso almoço no Intenso com isso mesmo: o “simples” Bitoque. Que se calhar nem precisa de ser reinventado, tem apenas de ser bom. Um prato coisa teoricamente simples, mas com boa carne, servida no ponto perfeito, com um molho intenso e cheio de sabor, com umas batatas fritas excelentes… o que é que há mais para dizer? A cozinha é feita disso, de intensidade e sabor.

A ligação da cozinha do Chef Mateus às suas raízes da Beira Baixa faz com que já saibamos que uma das sobremesas que vamos pedir no Intenso é a Tigelada Beirã. Uma sobremesa que já conhecíamos de restaurantes anteriores – como o Osso Bento – mas que nunca deixamos de repetir, porque é muito boa! Assim como é o Doce da Casa, numa vertente menos tradicional, porque aqui no Intenso ele leva compota de morango, bolacha de café e creme de natas.


No final deste almoço… intenso (sim, mais uma vez), ficámos um pouco à conversa com o Mateus. Falámos sobre gastronomia, sobre restaurantes, sobre raízes, sobre como a comida nos deve transportar para sítios, nos deve evocar memórias. Mas como deve, acima de tudo, provocar-nos sensações. E foi isso que sentimos durante toda esta refeição, uma surpresa constante a cada prato, pelos sabores que cada um tinha. Pratos que ficam na memória, sem dúvida.

Por tudo isto o Intenso é, na nossa opinião, um daqueles novos restaurantes de Lisboa a ter em conta num futuro próximo. Pode não ter uma máquina de comunicação por trás, o Mateus pode não ser daquele tipo de chefs “superstar” que aparece em todo o lado… mas o Intenso tem algo ainda melhor do que isso: tem comida muito boa, tem comida cheia de alma e sabor. O produto é bom, é bem trabalhado, e a viagem que fazemos ali numa refeição leva-nos não só às raízes gastronómicas do Chef, mas aos cozinhados que as nossas mães e avós faziam em casa. E isso é simplesmente perfeito.
Preço Médio: 30€ pessoa (com vinho)
Informações & Contactos:
Rua da Boavista, 69 A | 1200-066 Lisboa | 938 381 922