Um restaurante inevitável.
Nota prévia: demorámos algum tempo a escrever esta review, depois da nossa primeira visita ao Canalha. Aliás, este texto é baseado em 3 visitas, algo que habitualmente não fazemos. Mas aqui sentimos essa necessidade, e por duas razões: em primeiro lugar, porque numa primeira visita ficou muita coisa por provar, mesmo dos pratos habituais da ementa; e depois, porque queríamos tirar teimas, já que nem tudo correu bem na primeira visita, mas havia uma “pressão” enorme para termos uma opinião positiva do Canalha… já que toda a gente a tem.
E nós nem somos daquele tipo de pessoas que seguem as tendências, vamos aos restaurantes porque queremos ir, porque nos chamam a atenção – como aconteceu com o Canalha. Só que a rapidez com que este espaço se tornou no restaurante mais visitado de Lisboa e o espaço de eleição de todo o tipo de malta conhecida (do mundo da restauração e não só), fez-nos acreditar que a nossa primeira experiência – na qual o achámos excessivamente caro – possa ter sido resultado de más escolhas nossas. Por isso, e especialmente porque gostámos muito de praticamente toda a comida que provámos nessa primeira visita, fez sentido esperar para escrever. E voltar ao local do crime.

Para quem por acaso não saiba – porque tem andado a viver numa caverna – o Canalha é o mais recente restaurante do Chef João Rodrigues. Chef que já teve Estrela Michelin, mas mais do que isso, um dos Chefs mais respeitados do nosso pequeno mundinho da restauração. Mas porque é que o Canalha não se tornou “apenas mais um” restaurante de um Chef conceituado? Ora, por causa do seu conceito…

Isto porque desde o início e ainda largos meses depois de ter aberto, a comunicação sobre o Canalha insistia em classificá-lo como um “restaurante de bairro”. Ora, o Canalha só é um “restaurante de bairro” porque efetivamente está situado num bairro, o de Belém. Porque a ideia que se tenta vender de que o Canalha é um “restaurante de bairro” no sentido de ser um restaurante do dia-a-dia, para repetir várias vezes à semana por causa dos preços acessíveis… bom, isso já não é bem assim. E é verdade que há muitas pessoas que lá almoçam frequentemente, para aproveitar o prato do dia – e a qualidade inegável do produto utilizado e a capacidade técnica daqueles cozinheiros – mas isso é só uma pequena percentagem dos clientes do Canalha.

E foi por tudo isto que demorámos tanto a escrever este texto, para poder ir ao Canalha várias vezes e em momentos diferentes, para perceber o tipo de experiências que lá se podem ter. Sendo que, dito tudo isto, não temos qualquer dúvida: o Canalha é um restaurante quase perfeito: espaço com muito bom gosto, produto de excelente qualidade, confecção sem mácula, pratos fantásticos (na sua grande maioria). Só não é perfeito, na nossa opinião, porque houve pratos dos quais não ficámos fãs, e porque tem um pormenor no serviço que nos deixa um pouco incomodados (e que foi aquele que marcou a nossa primeira visita): o push constante (ainda que subtil) de pratos ou vinhos que inflacionam a conta no final… a sério. Porque os preços dos pratos em si não são elevados – ou pelo menos não mais do que a média do que acontece nestes dias na maioria dos restaurantes em Lisboa. Só que depois há o “não querem experimentar este marisco que temos hoje” ou o “com esses pratos vai mesmo bem este vinho”, sempre de uma forma tão simpática que acreditamos que nos estão a tentar fazer sentir especiais. E tendo em conta o ambiente do restaurante e as caras conhecidas que vemos sentadas ao balcão ou às mesas, é normal que nos sintamos quase “star struck” e que nos deixemos ir…

Enfim… o texto já vai longo e ainda não falámos especificamente sobre as nossas experiências, pois não? Ou antes, sobre a comida, porque já explicámos que o serviço – mesmo sendo muito bom – faz push de demasiadas coisas, e que os preços dos pratos não são absurdamente caros. Faltou explicar que o espaço do restaurante é um mimo. Não estamos numa tasca moderna, estamos num espaço bem pensado, bem decorado, com iluminação perfeita, com bons materiais, um espaço que foi desenhado para nos fazer sentir quase em casa (lá está, o restaurante de bairro), mas sem deixar de nos mostrar que somos especiais por ali estar.


Então sobre a comida. Há dois formatos principais de visita ao Canalha, a nível de escolha do menu: por um lado, pode-se fazer uma escolha à carta, tanto ao almoço como ao jantar; e por outro lado, há pratos do dia que vão variando, a preços ligeiramente mais acessíveis do que os pratos do menu normal. E é importante realçar que não sentimos uma diferença na qualidade daquilo que nos é servido, quando transitamos do menu para os pratos do dia. Nem tão pouco existe uma diferença substancial nos preços. Aqui a lógica dos pratos do dia parece-nos mais ser uma ferramenta de marketing, para promover uma visita diária recorrente a muitos clientes. O que, sejamos honestos, é a coisa mais normal do mundo.

E é essa lógica de pratos do dia que nos leva a poder experimentar coisas como uma Mão de Vaca com Grão que, muito honestamente, podia estar mais apurada, podia ter mais sabor… mas também uns “simples” Panados com Salada Russa, que são simplesmente fantásticos! É verdade que ajuda que a salada russa seja terminada à nossa frente (se estivermos ao balcão), mas essa parte mais teatral não retira o mérito a quem faz esta salada russa. E atenção, eu sou pessoa de panados com salada russa! Sim, é daquele tipo de pratos que adoro, que procuro! E estes Panados com Salada Russa do Canalha são muito bons mesmo! (estão ombro a ombro com os da Vida de Tasca)

Por falar em Salada Russa, mudamos então para a ementa fixa do Canalha. E aqui uma das entradas que houve ao longo do tempo foi a Anchova, servida com Salada Russa. Parece ser do mais simples que há, mas o Canalha aposta nisso mesmo: a simplicidade, apoiada no produto de excelência – e estas Anchovas são simplesmente fantásticas. Assim como o são as Gambas Cristal, servidas fritas e com Ovos Estrelados, para fazer assim uma espécie de ovos rotos… só que muito melhores a nível de sabor e textura. Duas entradas que mostram todo o potencial do restaurante.

Regressemos à nossa primeira visita ao Canalha, onde uma das coisas que inflacionou a conta foi este Lingueirão, que nos foi sugerido como entrada. O problema? Normalíssimo, aliás, abaixo do normal, faltava-lhe tempero, sabor… tanto que não terminámos o prato. Outro prato do qual não ficámos fãs foi a Tortilha Aberta de Camarão e Cebola, que tantas vezes fomos vendo no Instagram desde que o restaurante abriu. Não há nada errado na sua concepção, apenas sentimos que faltava ali algum contraste de sabores.


Seguindo com os pratos emblemáticos da ementa do Canalha, claro que tínhamos de provar o Raspado de Presa de Vaca Arouquesa e também a Lula de Toneira com Manteiga de Ovelha. Mixed feelings aqui, e sabemos que esta opinião pode ser controversa, porque toda a gente que conhecemos acha que a Lula do Canalha é a melhor coisa do Mundo. É um prato saboroso, sem dúvida, mas também achámos que é um prato mal servido. Sim, a proteína é cara e tal e tal… mas não deixa de ser uma porção muito pequena de lula, com um pouco de manteiga por cima.

Melhor, pelo menos para nós, o carpaccio, que aqui não se chama carpaccio e sim raspado. Este Raspado de Presa de Vaca Arouquesa é servido com chips finíssimas de batata, maionese e mostarda e ainda alcaparras, mas o mais importante é mesmo a carne, que é simplesmente fantástica! O sabor, a textura, e depois quando se mistura tudo… pá, não há palavras! E, finalmente, para terminar esta descrição longa dos vários pratos provados no Canalha ao longo das nossas várias visitas, um Carabineiro com Ovo Estrelado e Batatas Fritas… não sabemos sequer se alguma vez esteve realmente na ementa, mas numa das nossas visitas foi-nos sugerido e, claro, não podíamos dizer que não. Novamente, uns ovos rotos mas sem ter nada a ver, e com o carabineiro carnudo a dar toda uma outra dimensão de sabor ao conjunto!


Uma palavra final para as sobremesas do Canalha, que também foram mudando ao longo do tempo. Na nossa primeira visita ficámos simplesmente apaixonados pelo Marmelo Assado e Gelado de Nata, uma sobremesa que parece simples, aliás, que se calhar até é mesmo simples, mas cujo sabor é brutal! Lá está: bom produto, confeccionado para lhe dar destaque, não falha. Bom também o Leite Creme, provado noutra visita, mas diríamos que é mais normal do que a sobremesa descrita anteriormente.


Depois de tudo isto, como é que podemos concluir? Bom, dizendo que, na verdade, temos de admitir que o Canalha é um dos melhores restaurantes do momento, em Lisboa. Pode não ser um “restaurante de bairro” ou um sítio para ir almoçar todos os dias – e na nossa opinião, não é – mas é inegável que aqui há produto de excelência e gente com muita mão para o cozinhar com sabor, muito sabor mesmo. Podemos não ter ficado fãs de todos os pratos, e podemos nem sequer concordar com todo o hype em torno do restaurante (que faz com que tenhamos de reservar com algum tempo de antecedência), mas em cada uma das nossas visitas provámos pratos que nos ficaram na memória, e muitas das vezes a preços justos para a qualidade do produto e a confecção. Por isso, o Canalha é inevitável. Porque é inevitável ir lá pelo menos uma vez. Para ver e ser visto, não há como negar… mas também para comer boa comida portuguesa, com produto fantástico e com alguns twists de cozinha de autor.

Preço Médio: 20€ pessoa (na óptica do prato do dia) até 50€ pessoa (à carta, com vinho)
Informações & Contatos:
Rua da Junqueira, 207 | 1300-338 Lisboa | 962 152 742